Trevisan: quem alimenta a corrupção é partidário de assassinos de juízes, professores e crianças

15/04/2003 - 23h21

Brasília, 15/4/2003 (Agência Brasil - ABr) - Quando, em 2001, os moradores de Ribeirão Bonito disparavam aos céus, diariamente, de diversos pontos da cidade, três baterias de rojões – às 8h, às 12h e às 15h –avisando "ao prefeito e à sua quadrilha que a sociedade estava ativa", não
imaginavam que a luta viraria modelo para o combate à corrupção no Brasil.

A Organização não Governamental Amigos Associados de Ribeirão Bonito (Amarribo) transformou a epopéia da sociedade organizada, que culminou com a prisão do ex-prefeito Antônio Sérgio de Mello Buzzá, no manual "O combate à Corrupção nas prefeituras do Brasil", que já está sendo encomendado por ONGs e será utilizado pelo governo federal para incentivar a
população.

Em entrevista à Agência Brasil, um dos filhos de Ribeirão, Antoninho Marmo Trevisan - que, para o azar do prefeito Buzzá é um dos mais bem sucedidos consultores, exatamente na área de gestão pública e privada - conta como o grupo, inicialmente criado para "recuperar alguns pontos da memória da cidade", desbaratou a quadrilha que levava até 30% anuais do dinheiro público.

AGÊNCIA BRASIL – A corrupção no Brasil é dado histórico e até já deixamos de receber investimentos externos por causa da fama de corrupção. Mas é comum a história de que todo o mundo sabe, mas ninguém prova. Qual é o caminho das pedras?

AMT – No nosso caso, começamos perceber recursos que deveriam ir para a merenda escolar e que jamais chegaram à merenda escolar. No caso específico tratava-se da carne, que nunca
chegava. A merenda era água e fubá. Comprovamos isso numa ação junto às merendeiras. Depois, notamos problemas no combustível. É comum em cidades, se adquirir contabilmente
combustível incompatível com a frota. É fácil verificar isso, é só olhar o tamanho da frota, multiplicar pelos quilômetros que normalmente são utilizados e, aí, você verifica se a
quantidade de combustível é razoável ou não. Essas coisas não foram tão simples, porque geralmente o prefeito, quando decide praticar esse tipo de fraude, também busca amparo
junto à Câmara de Vereadores. Na nossa cidade, dos 13 vereadores, 11 eram coligados com o prefeito. Mas insistimos na investigação e verificamos várias notas fiscais falsas. Uma coisa importante é ter provas palpáveis, não ir fazendo denúncia vazia mas, primeiro, investigar, e, com as provas em mãos, procurar o Ministério Público, o apoio da sociedade e da imprensa, para fazer pressão sobre os vereadores.

AB – Mas isso foi feito por pessoas especializadas. O senhor é um contabilista de renome, conhecido e respeitado. Como um cidadão comum pode localizar essas fraudes e fazer a denúncia?

AMT- Eu diria que 95% das questões que a gente averiguou, qualquer um pode fazer. Todo mundo sabe, numa sociedade pequena, se há uma reforma numa escola, e se nessa reforma
constou instalação de rede hidráulica. É fácil verificar se essa rede foi ou não instalada, tomando o balancete e exigindo que o prefeito abra as informações. Em geral, o que você encontra, são codificações. As prefeituras que querem fraudar publicam essas informações de maneira que
ninguém consegue compreender, porque ao invés de escrever o gasto, usando a língua portuguesa, fazem isso usando códigos numéricos e publicam. Você, cidadão comum, pode pedir a lista do que foi gasto, com nome e metragem da telha que foi utilizado.

AB – Mas há lugares em que as pessoas não contam com a Justiça, como Ribeirão Bonito contou, não têm apoio de ninguém e acabam sofrendo ameaças e até perdendo suas vidas.

AMT - O caminho é nunca fazer a denúncia como pessoa física, mas através da união, criando uma ONG, o que é fácil de fazer, bastando estabelecer os objetivos e registrar no cartório. Uma vantagem nossa é que éramos nascidos na cidade, mas éramos um grupo de fora da cidade. Tínhamos forte vínculo mas, ao mesmo tempo, fazíamos a mobilização externa. Isso retirou um pouco da pressão. Nós dávamos a cobertura para o nosso grupo interno. Era uma parceria forte entre os residentes e os não-residentes. Internamente, tínhamos as mulheres, que eram uma espécie de escudo. Acordavam a cidade de madrugada com o panelaço e tínhamos o núcleo de
fogueteiros. Três vezes ao dia, em locais diferentes, às oito, ao meio dia e cinco da tarde, era hora de soltar os rojões para avisar o prefeito e sua quadrilha que a sociedade estava ativa. Isso era uma maneira de exercer um efeito psicológico de mobilização da sociedade. Também percebemos que o trabalho junto à promotoria deve ser feito. Você não pode nem achar que a promotoria pode agir isoladamente, e nem o cidadão comum achar que ele próprio vai fazer justiça.

AB - O livro lançado pela Amarribo e que tem o senhor como um dos autores, parte de uma experiência muito localizada, que vocês tiveram em Ribeirão Bonito. Ele está sendo recomendado
para cidades bem menores e outras bem maiores, realidades completamente diferentes. É possível aplicar o mesmo método em ambos os casos?

AMT - A gente quer lembrar que não existem diferenças entre uma cidade grande e uma pequena. Merenda escolar, qualquer cidade tem. Como qualquer cidade tem prefeituras fraudando no combustível. A pessoa não precisa querer pegar os grandes problemas, as grandes fraudes. O Collor foi deposto por conta de um carro que foi comprado. O que importa é restaurar a moralidade e garantir a qualidade das finanças. A cidade tem que começar pelo pequeno. A sociedade vai puxando o novelo de lã e na frente tem um elefante. Uma outra coisa é insistir
primeiro numa investigação, ir até o fim, para fazer nova denúncia. É preciso esgotar uma coisa para só depois seguir adiante, senão a denúncia cai no vazio.

AB – O senhor falou em criar ONGs para investigar. O senhor não acha que os conselhos estaduais e municipais como o de Desenvolvimento Econômico ou o de Segurança Alimentar podem ser um fórum apropriado?

AMT - Certamente, os conselhos ajudariam. Hoje você tem um governo altamente interessado em apoiar esses movimentos, não só através do Fome Zero. Você tem a Controladoria Geral da
União, que não havia no passado. O importante é que a sociedade faça junta. Isso expõe menos um indivíduo só.

AB - Não há dados exatos sobre quanto o Brasil perde com desvios de verbas. Mas é possível fazer uma estimativa?

AMT - No caso de Ribeirão Bonito, cidade com 12 mil habitantes, localizada num grande Estado, que é São Paulo, os desvios variavam de 15% a 30%. Nós não achamos que seja diferente no resto do Brasil. Se a gente traduzir isso em miúdos e trouxermos isso para o orçamento público brasileiro, de cerca de R$ 300 bilhões por ano, falaremos em algo como R$ 60 bilhões que são desviados por atos de corrupção. Isso equivale a cerca de três CPMs de desvio.

AB - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem procurado carimbar o seu governo com o emblema da transparência, da honestidade. Pelo que o senhor vivencia em suas palestras e
contatos que faz, acha que o país vai conseguir se livrar da marca da corrupção?

AMT - Certamente, pela resposta que temos obtido. O Conselho Federal de Contabilidade vai instalar em cada uma das cidades um contabilista, que vai acompanhar os atos da prefeitura e
assessorar ONGs em cada uma das cidades. Eles farão um ranking daquelas que estão adotando a cartilha da Amarribo. A cartilha será distribuída para todos os prefeitos e vereadores do PT, e temos certeza que outros partidos também vão adotar. Isso vai disparar um processo no momento ideal. A corrupção, o crime organizado e o narcotráfico andam de mãos dadas, e há, na sociedade, uma vontade de apoiar ações dessa natureza. A mídia também tem tido um enorme interesse. Uma cidade que alimenta a corrupção está, no fundo, sendo partidária dos assassinos de juízes, de professores, de crianças.

Serviço: "O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil".
Autores: Antoninho Marmo Trevisan, Antonio Chizzotti, Joao
Alberto Ianhez, Jose Chizzotti, e Josmar Verillo. site:
www.amarribo.com.br.