Projeto original do Plano Piloto, de Lúcio Costa
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Brasília, 13/11/2002 (Agência Brasil – ABr) – Considerada por alguns a contribuição artística brasileira mas importante no século XX, mais representativa inclusive que a Bossa Nova e o Cinema Novo, Brasília teria outra feição caso fosse outro o projeto vencedor do concurso instituído, em 1957, pelo presidente Juscelino Kubitschek, para a escolha do plano piloto da nova Capital Federal.
Segundo Aline Moraes Costa, Brasília nasceria com formas bem diferentes se não fosse de Lúcio Costa o projeto vencedor. Contudo, informa ela, a característica mais marcante da cidade, a modernidade de seu traçado, estaria mantida fosse escolhido qualquer um dos 26 projetos apresentados. "Apesar dos trabalhos terem grandes diferenças, a concepção da cidade era a semelhante. Todos os projetos eram influenciados pelos conceitos do urbanismo moderno e pelas teorias de Le Corbusier", explica. Aline defendeu há pouco mais de um mês uma dissertação de mestrado em História da Arte, junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp sobre o concurso do plano piloto de Brasília sob orientação do professor Marcos Tognon.
Como explica a arquiteta, a Capital Federal surgiu num momento em que as teorias de Le Corbusier dominavam a arquitetura mundial e, ainda que o edital do concurso não faça nenhuma citação as idéias do arquiteto franco-suiço, apenas um dos projetos não citou a Carta de Atenas, manifesto publicado pelo Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam), em 1933, que preconizava a adoção de um urbanismo diferenciado com clara divisão entre os espaços de moradia, trabalho e entretenimento. Além de definir os objetivos do urbanismo moderno, a Carta trazia um modelo de cidade planejada por Le Corbusier, A Cidade Radiosa.
Tanto Brasília, quanto Radiosa, estavam estruturadas em quatro pontos fundamentais: descongestionamento do centro das cidades, aumento da densidade do centro das cidades; aumento dos meios de comunicação e aumento das superfícies arborizadas. Numa simplificação das teorias de Le Corbusier ele pontificava que trabalho, casa, equipamentos coletivos (creche, escola primária, igrejas, centros culturais, pontos comerciais) e as opções de lazer deveriam estar próximos, facilitando a circulação.
Na verdade, explica Aline, o foco da discussão não era uma cidade que funcionasse melhor, mas que fosse funcional para todos e repartisse com eqüidade entre os cidadãos os benefícios dos possíveis melhoramentos. "Naquele período, os arquitetos acreditavam num mundo melhor pelo urbanismo, salvar a humanidade por meio da arquitetura", destaca ela. A própria composição do júri do concurso, com profissionais que defendiam a moderna arquitetura, deve ter influenciado no desenvolvimento dos projetos para o plano piloto", acrescenta.
Projeto classificado em segundo lugar tem formas modernas como o de Lúcio Costa
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Brasília surgiu em um momento em que a Ciam começava a questionar a operacionalidade de uma cidade como Radiosa. A situação da Europa, em recuperação da Segunda Guerra e características particulares dos EUA não permitiram a realização de projetos grandiosos como esse. A construção de Chandigarh, capital da província de Punjab, na Índia, entre 1951 e 1956, idealizada por Le Corbusier, também contribuiu para um desânimo em torno das idéias. A cidade não se adequava aos hábitos e clima da região. Por isso, diz Aline, quando o concurso do plano piloto foi lançado ninguém mais sonhava com a realização da cidade revolucionária.
Apesar disso, a receptividade à Brasília foi a melhor possível no exterior. Jornais e revistas do mundo todo divulgaram fotos e matérias descrevendo os edifícios oficiais. Como diz o crítico de arquitetura André Corrêa do Lago: "a arquitetura de Niemeyer não parecia querer impressionar e agradar especialistas, mas sim o público em geral. Tudo que se via nas fotos transmitia otimismo, leveza e ingenuidade. Brasília parecia provar que a arquitetura moderna havia chegado, com êxito, ao monumental".
Esboços do traçado básico do Plano Piloto
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Ainda que a análise atual da cidade não conste do objeto de estudo da dissertação, Aline acredita que a Brasília de hoje é menos fruto do projeto de Lúcio Costa que resultado da ação de diversos fatores, como a especulação imobiliária, os anos de regime militar e mesmo a mudança de alguns detalhes do projeto. "Muitos culpam Lúcio Costa por ter criado uma cidade elitizada, mas nesse caso o arquiteto não teve como interferir diretamente na realização da obra. Inclusive um projeto criado pelo arquiteto que previa a construção de casas populares no plano piloto foi rejeitado pelo Senado", justifica.
Foram três anos de pesquisa para que Aline chegasse às 620 páginas que constituem (Im)possíveis Brasílias – Os projetos apresentados no concurso do plano piloto da nova capital federal. Como a Novacap – companhia responsável pela construção da cidade – não tem a documentação de todos os projetos concorrentes, a pesquisadora teve que percorrer o país atrás de arquitetos, entrevistando-os e recolhendo documentações. "Consegui encontrar dez arquitetos ainda vivos, alguns inclusive ativos", conta. No caso dos profissionais já falecidos, ela conversou com familiares ou com responsáveis pelo acervo. "Houve quem não guardou o projeto, mas se dispôs a desenhar croquis", informa.
Enquanto Aline busca financiamento para a publicação do livro, estuda projetos para a transformação do material em CD-ROM e disponibilização de uma página eletrônica na internet. "É um material excelente. Os arquitetos opinaram sobre o resultado do concurso, contaram como receberam a desclassificação. Muitos concordaram com a vitória de Lúcio Costa, outros choraram pela injustiça", comenta. A arquiteta espera que especialmente o Governo do Distrito Federal se interesse pelo material, visto que se trata da própria história da Capital.