Brasília, 30 (Agência Brasil - ABr) - O Brasil substituirá a Argentina na presidência "pro tempore" do Mercado Comum do Sul (Mercosul), de julho a dezembro deste ano, período que coincide com os últimos seis meses de mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso no governo. A transição se dará na próxima sexta-feira (5), durante a reunião de cúpula dos países que integram o bloco - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai - em Buenos Aires. Segundo o subsecretário geral de Assuntos de Integração Comercial e Econômica do Itamaraty, Clodoaldo Hugheney, o Brasil poderá dar uma contribuição "substancial" na solução e encaminhamento dos problemas que hoje atingem o Mercosul por conta dos reflexos da crise financeira internacional.
"O Brasil pode dar uma contribuição na presidência pro tempore para equilibrar e fortalecer o Mercosul, para deixar o bloco em melhores condições nos próximos seis meses, superando algumas dificuldades. Afinal, o Brasil é a maior economia do bloco e é a economia que está enfrentando menos problemas. Acho que podemos dar uma contribuição substancial na solução dos problemas que envolvem todos os países membros", disse Hugheney.
Segundo o diplomata, o presidente Fernando Henrique e o ministro da Relações Exteriores, Celso Lafer, "têm um compromisso muito forte" com a idéia de integração e, portanto, querem "deixar um legado" para o próximo governo de como inserir o bloco no caminho da integração com outros blocos econômicos, como a União Européia (UE), Comunidade Andina, Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte) e as associações comerciais dos países asiáticos.
Entre os problemas que podem ser equacionados pelo Brasil no âmbito do Mercosul, Clodoaldo Hugheney citou a recuperação dos fluxos comerciais, a solução relacionada a questões dos acordos automotivos envolvendo principalmente a Argentina; a questão da comercialização do arroz e de produtos lácteos do Uruguai e da venda de motocicletas pelo Paraguai. "Tudo isso vai resolver problemas que hoje dificultam o comercio bilateral", disse.
Além disso, o Brasil vai se empenhar na questão da defesa comercial, propondo um reexame da Tarifa Externa Comum (TEC). "Com esse conjunto de medidas do comércio bilateral e do Mercosul, dá para ter um Mercosul no final do ano em melhores condições", acredita o especialista do Itamaraty.
Durante a cúpula de Buenos Aires, que vai reunir na capital argentina além dos presidentes do Brasil (Fernando Henrique), Argentina (Eduardo Duhalde), Uruguai (Jorge Batle) e Paraguai (Luis González Macchi), os presidentes do Chile (Ricardo Lagos), da Bolívia (Jorge Quiroga) - ambos membros associados do Mercosul - e do México (Vicente Fox), que apesar de integrar o Nafta, está interessado em se reaproximar comercialmente dos países do cone sul, deverão ser assinados dois acordos importantes. O primeiro, de preferências tarifárias fixas entre o Brasil e o México, no qual estarão contemplados 790 produtos, sendo 150 na área agrícola e o restante no setor industrial.
Com o acordo os governos brasileiro e mexicano têm em vista um duplo objetivo, buscando, por um lado, por meio das preferências acordadas, intensificar e abrir novas oportunidades para o comércio bilateral, que já cobre uma ampla gama de produtos e atingiu em 2001 um montante global de US$ 2,5 milhões. Por outro lado, almejam impulsionar as negociações de livre comércio entre o Mercosul e o México.
O segundo acordo envolve a Argentina e o Brasil em torno do setor automotivo. A expectativa é de que os dois países renovem o compromisso de comercialização de veículos, vencido em 29 de maio passado, que possibilitava a importação, pelo Brasil, de 50 mil veículos. O novo contrato prevê a ampliação do acordo com a exportação pelos argentinos de uma cota de 140 mil veículos.
Em relação à situação da Argentina, que atravessa momentos de turbulência econômica desde dezembro, o subsecretário de Assuntos de Integração Comercial e Econômica do Itamaraty disse que o Brasil está ajudando o país a vencer a crise da forma mais pertinente, que é através do comércio - hoje, a Argentina tem um superávit, registrado até maio último, de US$ 2,3 bilhões.
Até a terceira semana de junho, o déficit comercial do Brasil com a Argentina já havia atingido US$ 1,412 bilhão. De quinto lugar, a Argentina pulou para primeiro na lista de nações que têm superávit na balança com o Brasil. Nos cinco primeiros meses do ano, as exportações ao mercado argentino caíram 67% e as importações encolheram 25%.
Segundo Clodoaldo Hugheney, o governo brasileiro tem "sido absolutamente consistente" no sentido de ajudar a Argentina a superar a crise, inclusive pedindo mais atenção dos organismos financeiros internacionais à situação do país. "A gente tem sido absolutamente consistente nessa linha há vários meses. O presidente Fernando Henrique Cardoso tem insistido, o ministro Malan (Pedro Malan, da Fazenda) tem insistido. A gente tem sido sempre positivo nesse tema, indicando que nós consideramos que deve ser fechado um acordo a curto prazo com a Argentina. E a Argentina tem tomado medidas que devem merecer o apoio da comunidade internacional. Não há o que esperar, porque o risco é grande, porque a situação argentina pode se deteriorar ainda mais. Isso não interessa a ninguém", disse.
Sobre a demora do Fundo Monetário Internacional (FMI) em socorrer o país, Hugheney foi categórico ao considerar que a protelação é prejudicial: "Quanto menos área de instabilidade houver no mundo agora, melhor. Se for para ajudar a Argentina, o momento é este. Acho que é um erro estratégico que está sendo cometido", frisou, numa referência ao FMI. Há a possibilidade de os quatro presidentes do Mercosul, mais os do Chile, Bolívia e do México divulgarem manifesto exigindo do FMI e dos Estados Unidos medidas imediatas de apoio a Argentina.
Também durante a cúpula de Buenos Aires entrarão em discussão na pauta dos presidentes e ministros outros mecanismos destinados a fortalecer o bloco nos próximos seis meses, entre eles o que estabelece, no plano interno, pontos de reativação do Convênio de Crédito Recíproco (CCR), um acordo de equivalência sanitária entre os sócios e uma solução mais abrangente e definitiva para o comércio de produtos lácteos.
O CCR é visto como essencial para permitir uma retomada do comércio com a Argentina, mas esbarra em algumas resistências do governo de Buenos Aires, já que o país vizinho se opõe a colocar no mecanismo de compensações, que dispensa a utilização de dólares para as transações, produtos como petróleo, trigo e automóveis, três dos principais produtos da pauta bilateral.
No setor externo, estão como itens relevantes a conclusão, até o final do ano, de um acordo de livre comércio com a Comunidade Andina, o avanço nas negociações com a União Européia e a notificação das tarifas do Mercosul nas discussões da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).