Projetos das Brasílias descartadas não têm pontos comuns

13/11/2002 - 16h06
Projeto de prédio habitacional de Rino Levi, com 75 andares

Brasília, 13/11/2002 (Agência Brasil – ABr) – Prédios de 300 metros de altura, cerca de 75 andares, onde morariam 16 mil pessoas e com elevadores funcionando como avenidas e ruas. Esse é um aspecto do projeto apresentado pelo arquiteto Rino Levi para o plano piloto de Brasília. A arquiteta Aline Moraes Costa, que escolheu o concurso para a escolha arquitetônica da cidade como tese de mestrado na Unicamp, considera esse o projeto mais ousado entre 26 apresentados para a nova capital.

Em seu livro "(Im)possíveis Brasílias – Os projetos apresentados no concurso do plano piloto da nova capital federal", fruto de sua dissertação de mestrado, Aline descreve 18 dos projetos inscritos no concurso da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). Os outros, explica, seja pela morte dos arquitetos ou pela falta de documentação não estão acessíveis.

Ainda que o projeto de Lúcio Costa estivesse longe de ser uma unanimidade, Aline percebeu em suas entrevistas que os profissionais envolvidos no concurso, em sua grande maioria, concordaram com o resultado. "Era o que mais se adequava aos itens do edital e ele o fez de maneira muito elegante e funcional", opina. A conformidade do projeto de Lúcio Costa ao edital é, por sinal, um dos fatos mais questionados pelos concorrentes que alegam que o concurso fora elaborado para que ele vencesse. "Não há nada que comprove o favorecimento de Lúcio Costa. Mas não podemos desconsiderar os laços de amizade que uniam Lúcio Costa a Oscar Niemeyer e esse a Juscelino Kubsticheck", lembra ela.

Outro boato sobre o concurso que persiste, e que a pesquisadora não conseguiu comprovar, é que Lúcio teria inscrito seu projeto depois do prazo previsto. Cerca de 70% dos arquitetos contatados por Aline confirmam essa versão. "Lúcio Costa durante toda sua vida sustentou que entregou o projeto no último minuto do prazo, mas o fato é que enquando ele fazia isso, os jurados já analisavam os outros", afirma Aline.

Um dos participantes da comissão julgadora, o representante do Instituto dos Arquitetos, Paulo Antunes Ribeiro, discordando dos critérios adotados pelo júri, entregou julgamento em separado e nesse voto questiona o tempo recorde em que o julgamento foi feito - dois dias e meio -, o que impossibilitou, segundo ele, uma análise detalhada dos trabalhos. Ribeiro chegou a sugerir ao júri que onze dos projetos fossem declarados vitoriosos constituindo-se "uma equipe vencedora do concurso, organizando-se, desta forma, uma grande Comissão, encarregada de desenvolver o plano de Brasília".

Os opositores do projeto de Lúcio Costa também alegam que a falta de detalhamento dos desenhos entregues por ele não cumpre as exigências do edital, que em seu artigo 3º dizia que "os concorrentes apresentariam um plano-piloto para a nova cidade, com seu traçado básico, juntando ao projeto relatório justificativo". O próprio arquiteto em seu texto explicativo do projeto se justifica pela explicação sumária: "não pretendia competir e, na verdade, não concorro, - apenas me desvencilho de uma solução possível, que não foi procurada mas surgiu, por assim dizer, já pronta... estes dados, conquanto sumários na sua aparência, já serão suficientes, pois revelarão que, apesar da espontaneidade original, ela foi, depois, intensamente pensada e resolvida; se não o é, a exclusão se fará mais facilmente, e não terei perdido o meu tempo nem tomado o tempo de ninguém". Mas a grande força do plano piloto estava, segundo o documento final do júri, na simplicidade de seus conceitos principais.

Além do primeiro lugar ao projeto de Lúcio Costa, o júri classificou outros seis. O projeto de Boruch Milman, João Henrique Rocha e Ney Fontes Gonçalves ficou em segundo. De acordo com Aline, esse projeto tem muitas semelhanças com o escolhido. "A cidade teria um eixo semelhante ao do projeto vencedor, mas era muito mais ortogonal, reto e bem menos poético", ressalta. Para ela, a diferença nos dois projetos estava na experiência de Lúcio em contraste com um certo amadorismo de um grupo de recém-formados.

Projeto de Rino Levi classificado em terceiro lugar

Em terceiro lugar ficaram empatados a cidade vertical de Rino Levi e o projeto dos irmãos Roberto. Ousada, a cidade de Levi privilegiava as moradias, que ficariam em prédios altos, já a parte administrativa do governo estaria num piso térreo. O arquiteto justificava a verticalização como um mecanismo para promover o relacionamento pessoal. A cidade, com cerca de 500 mil habitantes, se concentraria em poucos quilômetros quadrados que poderiam ser facilmente percorridos a pé.

O projeto concentrava grande parte das habitações em oito conjuntos de três superblocos com cerca de 16 mil habitantes em cada um. Aline diz que apesar de surpresos e entusiasmados com esse projeto, o júri considerou sua operacionalização muito difícil. "Era um exercício teórico e autoral. Quem em sã consciência compraria uma idéia insana em dobro: a transferência da capital do Rio de Janeiro para o planalto Central e essa cidade vertical", comenta a pesquisadora.

Brasília ortogonal dos irmãos Roberto

O projeto classificado em terceiro lugar, dos irmãos Marcelo e Maurício Roberto, não obteve melhor resultados devido a rigidez nas formas. Era composto por sete hexágonos, cada um deles uma célula individual com todas as atividades necessárias da população – trabalho, habitação e lazer – voltados para os edifícios públicos centrais. Nesse projeto, considerado pela pesquisadora o mais extenso estudo social dentre os apresentados, avaliando população, habitação, uso do solo, otimização da agricultura, etc, os arquitetos tentam combinar aspectos da vida nas pequenas cidades, que seriam vividas em cada hexágono, com algumas das vantagens das grandes cidades, presente no conjunto.

Apesar de toda polêmica em torno da vinda e da construção da capital federal no planalto central, são muitas as demonstrações que comprovam a aprovação de Brasília, tanto no país como no exterior. Provavelmente a maior delas seja o fato da cidade ser o primeiro conjunto arquitetônico moderno a ser colocado na lista do Patrimônio da Humanidade da Unesco.