Oxford (Inglaterra), 13/11/2002 (Agência Brasil – ABr) – O presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou hoje, em conferência a estudantes e intelectuais ingleses, que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva herdará de seu governo plenas condições para dar continuidade às negociações internacionais. Para Fernando Henrique, não apenas as condições deixadas pelos seus negociadores é boa, mas também há necessidade de Lula seguir em frente no trabalho pelo acesso a novos mercados, como a União Européia e a Área de Livres Comércio das Américas.
"Meu sucessor herdará uma base sólida para a defesa de uma integração hemisférica justa e simétrica. Insisto que isso é importante não apenas para o Brasil e digo que meu sucessor tem muitas possibilidades de defender os interesses nacionais", afirmou para uma platéia de cerca de 500 pessoas, na qual estava presente a filha do ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, Chelsea.
Esta não foi a única menção que o presidente fez a Lula na sua palestra. Fernando Henrique fugiu do discurso previamente escrito, que tratava exclusivamente de temas internacionais, e manifestou sua alegria pelo fato de o Brasil estar vivendo um momento singular na sua história política, com a transição para o governo Lula. "Nos últimos quarenta anos, nenhum presidente teve a possibilidade de transmitir o poder a um sucessor eleito pelo voto direto. Isso por si só já seria motivo para alegria", resumiu.
Mais que a transmissão do cargo, o presidente destacou o fato de Lula ser um representante da classe trabalhadora, o que para ele é uma prova da força das instituições democráticas do país e também da capacidade de mobilidade social. "Não é apenas um sucessor da oposição, mas de uma oposição que foi muito agressiva nos últimos anos. Eu o conheço há 25 anos e sei que é um homem da classe trabalhadora. Então é importante reconhecer que a Democracia está assegurada ao elegermos um homem que não faz parte do establishment", disse.
Depois da palestra, Fernando Henrique respondeu a perguntas dos alunos da universidade de Oxford, que amanhã lhe concederá o título de Doutor Honoris Causa. Para um deles, o presidente teve que responder qual seria a marca de seu governo que ficaria para a história. Assim como ontem, em Portugal, ele evitou falar em legados para o futuro, porque "parece coisa de pessoas que já faleceram". Ele lembrou que os dois maiores presidentes da história do país – Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek – não tiveram fins de vida que ele gostaria de ter. "Eu espero que a história seja melhor para mim, porque não quero me suicidar e quero continuar vivendo no Brasil", disse. O presidente explicou que Vargas matou-se com um tiro no peito e JK mal podia andar nas ruas do país tamanha sua impopularidade após deixar a presidência.
O presidente, no entanto, destacou a consolidação da democracia e a estabilidade econômica como benefícios alcançados em seu governo. Ele ressaltou, várias vezes, os avanços no campo social registrados nos últimos oito anos, mas reconheceu que perdeu algumas batalhas, como é o caso da reforma da Previdência. Ele lembrou, entretanto, que o assunto vai voltar à discussão nacional no próximo governo. "Aqueles que a condenaram (a reforma) agora assumiram o poder e a defendem. Se é assim, eu os apóio", garantiu.
Fernando Henrique ainda foi questionado por um aluno do instituto sobre qual era sua linha ideológica: esquerda ou direita. Ele afirmou que dependia do que o aluno considerava como esquerda. Caso ele achasse que o pensador de esquerda é aquele que defende a justiça social, então ele seria um homem de esquerda. Por outro lado, se a esquerda representava o controle do Estado, ele não aceitava esta definição, porque esta esquerda está "fora de moda e olha para trás como se fosse possível voltar para o passado".
Na palestra, ele ainda defendeu a ampliação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas como um exemplo de mecanismo que dá força a um universo multipolar de decisões. "As Nações Unidas teriam muito a ganhar com a reforma e ampliação do Conselho de Segurança. É claro que o Brasil gostaria de se tornar parte do conselho, mas esta não é a única razão (para defender sua ampliação), e sim por causa da sua legitimidade. Não é bom para a humanidade o unilateralismo. É importante que os Estados Unidos reconheçam isso", disse.
Esta mudança de foco nas decisões resultaria, para o presidente, na adoção de um novo contrato social que privilegie o multilateralismo em benefício de uma nova ética baseada na solidariedade. Neste sentido, o presidente defendeu também a liberalização do comércio e voltou a pedir o fim do protecionismo internacional.
Fernando Henrique apresentou dados para reforçar sua tese. Segundo ele, as estimativas do Banco Mundial indicam que a liberalização multilateral do comércio asseguraria, na América Latina e no Caribe, até 2015, que o número de pessoas que vivem com menos de dois dólares por dia cairia em 40 milhões. "São números por demais eloqüentes para que se insista em uma inserção competitiva do país na economia internacional".
A palestra no Saint Anthony’s College, da Universidade de Oxford foi o único compromisso oficial do presidente Fernando Henrique no dia de hoje. Amanhã, ele recebe o título de Doutor Honoris Causa da tradicional universidade britânica antes de embarcar para a República Dominicana, onde participará de sua última cúpula Ibero Americana.