Aloisio Milani
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Alterações na legislação que trata de crimeshediondos – que significam repulsivos e horríveis, pelo dicionário – sãorealizadas em momentos posteriores a crimes de grande repercussão nacional.Segundo um parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária de2005 e um estudo do advogado catarinense Rafael Antonio Piazzon, as mudançasforam feitas como respostas a essas demandas. A análise mostra que a maior parte das mudanças se deu após casos como osseqüestros dos empresários Abílio Diniz e Roberto Medina, em 1990, oassassinato da atriz Daniela Perez, em 1992, e a veiculação de cenas de torturae assassinato por policiais na Favela Naval, em Diadema, Grande São Paulo, em1997.A Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, estabelece quais são os crimes hediondos edetermina aqueles que não poderão ter benefício ou anistia, regulamentando oinciso 43 do artigo 5º da Constituição Federal. Entre os crimes hediondos,estão homicídio qualificado, estupro e seqüestro. Os tipos de crimes foramadicionados à lei aprovada em 1990 de acordo com reações da sociedade. Diversosjuristas, entre eles o próprio ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, sepronunciaram sobre problemas gerados pelo que chamam de "legislação dopânico".No estudo "A Progressão de Regime em Crime Hediondo", o advogadoRafael Antonio Piazzon explica que a aprovação da lei, em 1990, foiimpulsionada pelo caso do seqüestro de Roberto Medina e Abílio Diniz. "Ostrabalhos no Congresso se adiantaram de tal forma que em 15 dias após oseqüestro de Medina estava aprovada a lei", registra. Contudo, a rapidezna aprovação da proposta deixou de fora o homicídio entre esses crimes."Mas outra vez foi graças à influência dos meios de comunicação que omesmo foi incluído, pois foi com o assassinato da atriz Daniela Perez, filha daescritora de novelas Glória Perez, que o homicídio foi incluído no rol doscrimes hediondos", lembra no artigo.Já a tortura entrou na lei em 1997, com a definição legal como crime."Novamente houve um grande apelo popular para que a lei fosse aprovada, edessa vez o que serviu de mote foi o escândalo numa favela de São Paulo, aqueledo policial Rambo", explica o advogado em referência às cenas de torturana Favela Naval. O advogado conclui que essa relação é importante para entendera criação dessas leis. "É necessário reconhecer que a opinião públicapensa exatamente o contrário e reivindica penas criminais e tratamentoprisional ainda mais severos. Por isso é difícil esperar um posicionamento doCongresso Nacional, que é sensível aos apelos da população."Segundo um parecer do conselheiro Carlos Weis, do Conselho Nacional de PolíticaCriminal e Penitenciária, os conceitos que geraram a Lei de Crimes Hediondossão vistos como contraditórios em relação aos "princípios elementares dodireito penal", sobretudo o princípio da humanidade e o da ressocializaçãoda pena (que prevê a reinserção gradual do detento na sociedade). O conselheiro cita o trabalho do jurista César Barros Leal como forma dedemonstrar a reação primeira da sociedade a essa lei: "mergulhada noespiral da violência e manipulada pelos meios de comunicação social e pelosmovimentos de lei e ordem (law and order), a sociedade, atemorizada, empânico, sem saber o que fazer, é induzida a não pensar nas raízes do problema,na possibilidade de enfrentá-lo em suas origens e simplesmente demandar maisrepressão, novos tipos penais, mais prisão."Um levantamento do Núcleo de Estudos, da Violência da Universidade de São Paulo(USP), que pesquisou os debates sobre segurança pública de 1822 a 2005, concluiuque as políticas para a área no Brasil são pensadas sempre em caráter deemergência. Agora, a Câmara dos Deputados colocou novamente na pauta dois projetos de lei(PLs) que alteram a Lei de Crimes Hediondos. O primeiro deles, o PL 6.793 de2006, de autoria do Poder Executivo, torna mais rígida a progressão do regimeprisional para os condenados por crimes hediondos. A alteração prevê o aumentodo tempo mínimo da pena em regime fechado de um sexto para um terço do total –somente após esse período haveria espaço para mudar o regime. O PL 4.500 de2001, do Senado, também exige essa mudança.