Relatora do STJ acata primeiro pedido de federalização de crime contra direitos humanos

08/09/2010 - 18h16

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Pela primeira vez na história do Brasil, um tribunal superior pode determinar que um processo relativo a um crime contra os direitos humanos saia da jurisdição de um estado e seja julgado no âmbito da União. A ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), relatora do caso Manoel Mattos, assassinado em janeiro do ano passado, quer que o caso seja transferido da Justiça Estadual na Paraíba para a Justiça Federal em Pernambuco.

Com isso, a apuração do crime e do funcionamento de um grupo de extermínio na divisa dos dois estados será transferida para a Polícia Federal, bem como os cinco suspeitos de participação no assassinato deverão ser transferidos para presídio federal de segurança máxima. A vítima era advogado, defensor de direitos humanos, foi vereador (PT-PE), e denunciava há cerca de dez anos assassinatos de adolescentes, homossexuais e supostos ladrões, por grupos de extermínio nos municípios de Pedras de Fogo (PB), Itambé e Timbaúba (PE).

Segundo a relatora, a federalização deve ocorrer porque envolve grave violação aos direitos humanos; porque a Justiça e o Ministério Públicos locais não se opuseram; e porque a impunidade pode levar o Brasil a condenações futuras em fóruns internacionais - como já aconteceu por três vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA).

O pedido de federalização, chamado de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC nº 2), foi feito no ano passado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). De acordo com a vice-procuradora-geral da República, Déborah Duprat, a federalização “não significa nenhum demérito para órgãos estaduais e não arranha sequer o pacto federativo”. Na sustentação que fez durante o voto da relatora, ela destacou que apenas a União “pode ser responsabilizada de não cumprir um tratado e as obrigações ali previstas”.

Para Ophir Calvalcante, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Justiça Federal não sofre qualquer tipo de influência local, pois tem juízes e funcionários concursados e “não recebe qualquer tipo de verba nem qualquer benefício de governo estadual”.

Além do julgamento do assassinato de Manoel Mattos, a PGR queria que todas os processos sobre os grupos de extermínio na região fossem federalizados. Para a procuradora Deborah Duprat, Manoel Mattos “é a vítima mais notável” dos grupos de extermínio que atuam desde a década de 1990. “Manoel foi aquele que denunciou com mais veemência e por mais tempo”, destacou. A ministra Laurita Vaz, no entanto, apenas acolheu em seu voto o pedido de federalização dos casos que já tivessem conexão comprovada com a morte do advogado.

Apesar do voto da relatora, o STJ ainda não concluiu a decisão sobre a federalização. O desembargador Celso Luiz Limongi pediu vista do processo, e, além dele, mais cinco ministros deverão votar. A 3ª Seção do STJ volta a se reunir para o julgamento no próximo dia 22. Apesar da agenda, não há prazo para a retomada do caso Manoel Mattos.

A mãe do advogado, a aposentada Nair Ávila, tem esperança que o voto da relatora prevaleça e disse confiar na Justiça Federal: “vai haver uma punição efetiva para quem executou tanto quanto para os mandantes do assassinato”, declarou após a sessão no STJ. Segundo dona Nair, as pessoas que foram presas por causa da morte do seu filho saem livremente à rua, “almoçam em restaurante” e até “jogam bola”.

Este é o segundo caso de federalização que o STJ julga. O primeiro pedido, negado, foi o da missionária Dorothy Stang, cujo um dos mandantes aguarda julgamento de apelação em liberdade.

 

Edição: Antonio Arrais