Crise econômica acentua concentração da indústria do etanol, afirmam especialistas

30/07/2009 - 20h37

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - De janeiro de 2007 a junho deste ano, o Brasil recebeu mais deUS$ 3,5 bilhões de investimentos estrangeiros diretos para produção de derivados de petróleo e de biocombustíveis. Segundo oBanco Central, a maior parte dos recursos (US$ 3,1 bilhões, 90% do total) foi aplicada em investimentos naindústria do etanol.

Desdemeados desta década, os estrangeiros estão investindo na construçãode usinas e aquisição de indústrias para produção de etanol e na compra de terras para plantio de cana-de-açúcar.

De acordo com a professora Míriam Piedade Bacchi, pesquisadora do Centro de EstudosAvançados de Economia Aplicada da Escola Superior deAgricultura Luiz de Queiroz (Esalq, ligada à USP), issoocorreu num momento de euforia, de preços muito bons para o setor. "Isso atraiu o capital estrangeirodiretamente comprando usinas ou parte de usinas ou através de fundosque também são acionistas de algumas usinas.”

A faltade crédito causada pela crise financeira mundial acentuou atendência de internacionalização, aponta José Ricardo Severo,assessor técnico da Confederação de Agricultura e Pecuáriado Brasil (CNA). Severo disse que 50 usinas (em um universo de 417 unidades)estão em negociação para venda a estrangeiros. A participaçãoestrangeira no setor cresceu em cinco anos de 5% a 13%.

“Muitasempresas, por falta de capital de giro, de recurso e definanciamento, estão vendendo  álcool a preço muito baixo. Issovai se transformando em uma bola de neve, com as indústrias entrando em um circuito de endividamento. Vai chegar um momento em quevão ficar sem capital e sem ter como funcionar. Quem está tendo dinheirohoje são as empresas internacionais”, afirmou Severo. Ele ressalta que o capital estrangeiro está preferindo comprarusinas a investir na montagem de novas unidades.

Severo considera positiva a entrada de capital, mas teme que a presençaestrangeira afete a competitividade nacional. O processo deinternacionalização guarda relação com a tendência àconcentração do setor, observa. o assessor da CNA. Grupos estrangeiros como Bunge, Cargil,Dreiffus, ADM e Geres estão comprando usinas brasileiras comproblemas de crédito.

“Asusinas que estão bem estão comprando outras, e as que estãoquebradas têm dificuldade de tocar a vida para a frente e serãovendidas ou quebrarão”, afirma o ex-ministro daAgricultura Roberto Rodrigues, que preside o Conselho do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Já o diretor de Imprensa e Comunicação da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), CarlosRogério de Carvalho Nune, destaca queo fenômeno de concentração do setor de álcool e açúcar “éhistórico”. Nunes disse  temer que a concentração diminua postos de trabalho,com uso mais intenso de maquinário, e liquide os pequenosprodutores sem competitividade da indústria de grande escala.

“Aescala é um fator determinante da renda. A pequena indústria deetanol não é rentável como a grande indústria”, ressaltaRoberto Rodrigues. No entanto, o ex-ministro admitiu que “tem havido melhoriassignificativas de tecnologia, permitindo avanços na área dedestilarias, que são cada vez mais rentáveis para pequenosprodutores, que podem se organizar em cooperativas”.

A professora Míriam Bacchi aponta vantagens edesvantagens no processo de concentração: “Por um lado, [o processo] podelevar à redução de custos com a economia de escala e a economia de escopo [administração única]. Por outro lado, aconcentração pode levar a um maior poder do mercado e preçosmaiores”. Ela não acredita que a internacionalização favoreçadiretamente o que chamou de "comoditização" do etanol no mercado externo, mas vêvantagens na entrada de capital estrangeiro para crescimento dosetor. Commodities são produtos negociados em bolsas de valores com cotação internacional.