Decreto que levou o AI-5 para dentro das universidades faz 40 anos

26/02/2009 - 20h20

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Os 40 anos doDecreto-Lei 477 serão lembrados amanhã (27), às10h, na 8ª Anistia Cultural, na sede da Ordem dos Advogados doBrasil (OAB) no Rio de Janeiro. O decreto, editado em 26 de fevereiro de1969, durante a ditadura militar, define infraçõesdisciplinares praticadas por professores, alunos, funcionáriosou empregados de estabelecimentos de ensino público ouparticulares. Na prática, o decreto estabeleceu rito sumário parademissões e desligamento de professores, funcionários eestudantes que praticassem infração disciplinarconsiderada subversiva nas universidades brasileiras. O evento de amanhã é promovido pela OAB, pela Comissão de Anistia do Ministro da Justiça e pela União Nacional dos Estudantes (UNE).Assinadapelo segundo presidente do regime militar, marechal Arthur da Costa eSilva, a norma considerava infração disciplinar aparticipação em paralisações da atividadeescolar e na organização de eventos não-autorizados,a confecção de material subversivo, a prática deatos contrários à ordem pública ou àmoral, o seqüestro de pessoas e a prática de atentadoscontra o patrimônio das universidades.“No início,a gente pensou que não fosse para valer, dado o rigorditatorial sem precedentes”, recorda-se o então estudante deArquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) epresidente da federação dos estudantes da capitalfederal, José Antônio Prates, hoje prefeito reeleito deSalinas, no interior de Minas Gerais.O decreto “era o AI-5das universidades”, afirma o cientista político OctacianoNogueira, professor da UnB, rememorando o Ato Institucional nº5, de 13 de dezembro de 1968, que cassou direitos e garantiasfundamentais. Para a historiadora Alessandra Ciambarella Paulon,professora da Unilassalle e da Universidade Federal Fluminense, o decreto-lei, expedido em tempos de exceção, “ramificou o AI-5 nasuniversidades” e “transformou estudantes e intelectuais emreféns”.O ex-ministro da Educação eCultura Jarbas Passarinho, que assumiu a pasta nove meses depois daexpedição do decreto, confirma que o 477 foi, de fato,“um corolário”, “um produto do AI-5”. "[O decreto] foibaseado no teorema do AI-5, que era a decisão de fazerfrente às guerrilhas que já tinham começado”,diz o ex-ministro, que percebia nas universidades um foco deresistência ao governo da época, inclusive com o riscode luta armada.Para Alessandra Paulon, o movimento estudantil“teve um papel fundamental”, de “vanguarda de luta contra aditadura”. Os estudantes “ansiavam, sim, por participar da vidapolítica”, afirma a professora. Entretanto, o decreto estabeleceu uma relaçãodesigual, de “David e Golias [referência a duas personagens bíblicas, David, rei de Israel, que, quando jovem, venceu o gigante filisteu Golias]”, entre quem se opunha ao regime e oaparelho do Estado usado para a repressão política.JarbasPassarinho revela que chamava o decreto de “draconiano” e de “Leide Newton Depravada”, por não considerar a igualdade da forçainicial e da reação contrária. O ex-ministroconta que pediu ao então presidente Emílio Garrastazu Médicique suspendesse o decreto, mas teve oposição doConselho de Segurança. Passarinho diz que teve apoio dopresidente para criar uma “segunda instância” de julgamentodos processos iniciados nas universidades por ordem das reitorias ediretorias de faculdade (conforme previsto no decreto).Segundoo ex-ministro, em seus quatro anos à frente do MEC, 106pessoas foram absolvidas e 39 estudantes tiveram expulsãoconfirmada. “Apenas estudantes que usavam o campus universitáriopara atividade revolucionária ou que pertencessem a partidospolíticos de esquerda radical, dispostos a dominar o poderpela força”, assinala.A historiadora AlessandraPaulon desconhece números de “absolvidos” e “condenados”pelo Decreto-Lei 477, mas relativiza as declarações doex-ministro. “Questiono as pessoas que acabam revendo sua memóriae sua história e saem da condição de co-autorespara a de protetores”, critica. A professora faz sua ressalvaafirmando que o efeito da lei foi “inibir a capacidade intelectual”de uma geração de estudantes e acadêmicos.