Participação do negro no mercado de trabalho cresce, mas renda ainda é inferior à do branco

21/11/2008 - 8h31

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A participaçãodos negros no mercado de trabalho brasileiro aumentou desde a segundametade da década de 90. No entanto, as condiçõesde trabalho e de renda ainda continuam muito aquém dasregistradas pela população branca.De acordo com oRelatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008, elaborado pelo Instituto de Economia da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ), 20,6 milhões de pessoas ingressaramno mercado de trabalho de 1995 a 2006. Desse número, apenas7,7 milhões eram brancos. O restante, 12,6 milhões depessoas, eram pardas e pretas.No entanto, ao observaro rendimento mensal real do trabalho, a desigualdade deraça e a de gênero prevalecem. O vencimento médio doshomens brancos em todo país equivalia, em 2006, a R$1.164,00,valor 53% maior do que a remuneração obtida pelas mulheresbrancas, que era de R$ 744,71. O rendimento dos homens brancos eraainda 98,5% superior ao dos homens negros e pardos,que era de R$ 586,26. Era ainda 200% superior ao rendimento dasmulheres negras.Para o pesquisador do Departamento Intersindical deEstatística e de Estudos Socioeconômicos (Dieese) Clemente GanzLúcio, quetambém integra grupo de trabalho do Conselho deDesenvolvimento Econômico e Social (CDES) sobre políticas deeqüidade, a diminuição da desigualdade no mercadode trabalho depende de vários fatores, mas especialmente doacesso da população negra à educaçãode qualidade.“Os avançosque podem ser conquistados dependem de vários fatores, entreeles, do crescimento econômico, do processo de desenvolvimento,dos ganhos políticos, da democracia. No caso específicodos negros, um dos fatores que contribuem para essa desigualdade é educação, ou seja o acesso à educação dequalidade. Enquanto os negros não chegaram no mesmo ritmo aoensino universitário, ao ensino técnico, aos postos detrabalho de qualidade, a diferenciação de renda nãovai cair.”O aumento daparticipação da população negra nosúltimos anos no Brasil na populaçãoeconomicamente ativa, na opinião de Clemente Ganz Lúcio,já pode ser reflexo da adoção do sistema decotas nas universidades a partir de 2003."As cotas, em certamedida, geram a oportunidade para a população negraocupar um espaço cujo acesso exclusivamente meritório,ou seja, pela capacidade, acabava excluindo esses alunos. O que a experiênciatem mostrado é que essas pessoas estão tendo umdesempenho equivalente ao dos demais estudantes e, portanto, uminvestimento continuado poderia propiciar essa mudança. Ascotas são um remédio doído para a sociedadeporque significam reconhecer uma discriminação, mas podemfazer diferença lá na frente. É evidente que, nofuturo, se essa situação for superada, a própriapolítica de cotas desaparece”, avaliou.O diretor de Cooperaçãoe Desenvolvimento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Mário Theodoro, aponta as razões históricaspara a desigualdade, mas ressalta, na publicação Desigualdades Raciais, Racismo e Políticas Públicas120 Anos após a Abolição, o dilema vividopelo Brasil moderno que “convive e vive da desigualdade”. "Nopaís que convive e vive da desigualdade, o negro, ao perder olugar central no mundo do trabalho, não deixou de exercer umpapel social como o núcleo maior dos pobres, prestadores deserviços aos quais as classes médias recorrem ostensiva esistematicamente”, destaca.Para Clemente Ganz Lúcio, é importante destacar o reconhecimento da existência da desigualdade esua redução ao longo dos últimos anos, um avanço a ser comemorado. “O que nós temos que observar éo fato de que temos uma redução da desigualdade. Aindaé grande, mas até pouco tempo não era nemreconhecida. À medida que se reconhece que a desigualdade éum problema estrutural, ou seja, ele não é momentâneo, faz parte da nossa história e da constituiçãoda organização econômica e social do país,observarmos a mudança no sentido de que a desigualdade é umresultado a ser comemorado”, destacou.“Deve ser comemoradono sentido de que caminhamos no sentido da reduçãodessa desigualdade. Deve nos preocupar, deve ser um alerta, deve serum indicativo de que a gente deve estar o tempo todo combatendo, mastambém identificando se as ações que estãosendo implementadas estão contribuindo para que ocorra umadiminuição dessa desigualdade", acrescentou.Ele lembrou que a lutacontra a discriminação é recente no Brasil e queainda há muito caminho a ser percorrido para eliminaro problema. “A história nos mostra que osprocessos sociais que levam a essa mudança não sãoimediatos, ou seja, é uma construção social queleva tempo. Mais ou menos o tempo de quanto as políticas publicas,os movimentos sociais e a organização da sociedade estãodispostas a promover a transformação daquela realidade.Mas, de todo modo, levam-se anos, gerações para que ocorram mudanças substantivas nesse aspecto. A própriaquestão da discriminação racial é umaluta dos últimos 100 anos. Pegando a história dahumanidade, é uma luta de pouco tempo, assim como a luta pelaigualdade entre homens e mulheres. São conquistas que nãosão pequenas”, avaliou.Pesquisa divulgadanesta semana pelo Dieese e pela Fundação Seade mostra queos salários pagos na região metropolitana de SãoPaulo a profissionais não-negros ainda representam o dobro dos rendimentos dos negros. Em 2007, de acordocom a pesquisa, o rendimento médio por hora dos negros era deR$ 4,36, contra R$ 7,98 dos não-negros.