Paula Laboissière
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Participantes de audiênciapública realizada, hoje (31), para discutir a violaçãode direitos humanos na época da ditadura, defenderam queagentes públicos que atuaram como torturadores na épocada ditadura sejam, de alguma forma, responsabilizados, seja cívelou criminalmente.
A audiência foi realizada peloMinistério da Justiça, em Brasília, com o tema “Limites e Possibilidades para a ResponsabilizaçãoJurídica dos Agentes Violadores de Direitos Humanos duranteEstado de Exceção no Brasil”. Houve, porém, quem afirmasse que os crimes cometidos na época já prescreveram.
Raphael Martinelli foi um dos quepediu pela responsabilização dos agentes públicosque violaram os direitos humanos, entre os anos de 1964 e 1985 noBrasil, quando vigorava a ditadura militar.
Ele é um dos milhares deperseguidos políticos, presos e torturados durante o período.Atualmente, é presidente do Fórum dos Ex-PresosPerseguidos Políticos de São Paulo. Martinelli chegou aficar três anos preso e lembra que, ainda hoje, deputados queatuavam politicamente na época não foram encontrados.
Ele lembrou também de casosde estudantes, operários e camponeses que morreram no período,sem que ficasse esclarecido em que circunstâncias ocorreram.
Martinelli evitou sugerir que tipode punição seria adequada para os agentes públicosque torturaram presos políticos, mas reforçou que, emtodos os casos, algum tipo de responsabilidade – cível oucriminal – há de ser apontada.
“Coisas que nós, que temosa defesa da democracia em princípio, somos contrários.Estamos preocupados. A democracia tem que colocar tudo o quesignificou a ditadura para a juventude. Isso tem que vir àtona. Temos que colocar para a nossa juventude como defender ademocracia porque, se vier outra tentativa de algum aventureiro, elajamais vai permitir uma ditadura no Brasil. Isso é que éimportante.”
Para a procuradora da República,Eugênia Fávero, autora de Ação CivilPública contra o coronel Carlos Alberto Ustra, conhecido comoBrilhante Ustra, os crimes de tortura cometidos durante a ditaduramilitar se encaixam no conceito de crime contra a humanidade –previsto desde 1945 pelo Tribunal de Noremberg – e que, portanto,não prescrevem.
“Esse tribunal diz que existematos que são tão graves que ofendem toda a humanidade eque não se sujeitam a limitações de direitointerno, para fins de não-punição dos autores.Não há necessidade de um genocídio para que secaracterize um crime de leso a humanidade, basta que se trate de umaperseguição sistemática do governo àpopulação civil. Se ocorrerem atos violentos que geremsofrimento, como é o caso da tortura, do homicídio e doseqüestro, esses crimes não prescrevem”, explicou aprocuradora.
Um bom exemplo, segundo ela, éo caso de grupos nazistas. Ainda hoje, quando alguma pessoa quecometeu atos ligados ao holocausto é localizada, éprocessada, independente do país em que se encontra.
Já o advogado criminalista eprofessor da Faculdade de Direito da Fundação GetulioVargas do Rio de Janeiro, Thiago Bottino, esclareceu que a legislaçãobrasileira não considera atos de tortura como crimeimprescritíveis.
De acordo com ele, existem apenasduas hipóteses em que o crime não prescreve e,portanto, não tem prazo para ser julgado e aplicada a pena -atos de racismo e ações de grupos armados contra oEstado. Em ambos os casos, o Brasil assegura a prescriçãodepois de um período máximo de 20 anos.
“Todos os crimes praticados até1979 já têm mais de 20 anos, então todos estariamprescritos. O que o Ministério Público sustenta éque o Brasil teria como considerá-los imprescritíveisusando o direito internacional dos direitos humanos para isso. AConvenção que trata da imprescritibilidade dos crimescontra a humanidade foi ratificada só em 1970 por um grupo depaíses, mas não pelo Brasil. A questão ésaber se você poderia incorporar ao ordenamento jurídicobrasileiro uma convenção que o Brasil nunca ratificou,simplesmente por meio de princípios”, ponderou.
Bottino disse que é possívelresponsabilizar agentes públicos por crimes cometidos hámais de duas décadas, com a punição nas esferascivil e administrativa.
“São crimes que, hoje, vocênão poderia punir [os autores], mas que vocêtambém não deveria perdoar. O que é maisimportante é o resgate da história do Brasil. Vocênão precisa da punição criminal para reescreveressa história. O direito à verdade éinfinitamente mais importante do que punir as pessoas”, defendeu ocriminalista.