Especialistas questionam caso de funcionário do BNDES contratado pela Vale

10/04/2008 - 20h41

Alana Gandra e Vladimir Platonow
Repórteres da Agência Brasil
Rio de Janeiro - A contrataçãode um funcionário do alto escalão do Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pela empresa Vale,uma semana após a mineradora ter recebido o maior empréstimoconcedido pelo banco em sua história, de R$ 7,3 bilhões,foi criticada pelo ex-presidente da instituição, oeconomista Carlos Lessa.Lessa ficou àfrente do BNDES de janeiro de 2003 a novembro de 2004. Eleclassificou como “moralmente duvidosa” a ida do ex-chefe dasecretaria-executiva da presidência do banco, Luciano SianiPires, para a Diretoria de Planejamento Estratégico da Vale.“Legalmente, o funcionário pode ir para aVale. Agora, do ponto de vista estritamente ético, eu, [sefosse] funcionário do BNDES, não iria. Para nãome colocar sob suspeita de ter favorecido [a empresa] para meuinteresse pessoal”, afirmou.O ex-presidente do BNDES considera prejudicial apossibilidade - garantida em lei - de servidores públicos seafastarem por até dois anos, trabalharem em uma empresaprivada, e depois retornarem ao serviço público. “Issoé uma estranha combinação de ausência delinha divisória entre o setor público e o privado. Elepoderia ir para o setor privado, sem nenhum retorno para o setorpúblico, a não ser mediante novo concurso”, defendeuLessa.Lessa disse que é impossível serleal ao setor público e ao privado. “Considero quem faz issode uma moralidade duvidosa, tanto que, se eu voltasse a serpresidente do BNDES, esse jovem não teria nenhum cargorelevante na minha administração. Eu desconfio muitodessas pessoas que trafegam do privado para o público e dopúblico para o privado. E, por razões óbvias:você não pode ter lealdade a duas camisas diferentes. Acamisa do setor público é a do país como umtodo, enquanto que a camisa da empresa é a dos acionistas”,disse.A contratação do funcionáriodo BNDES pela Vale também foi criticada pelo diretor-executivoda organização não-governamental TransparênciaBrasil, Claudio Weber Abramo. “O fato fala por si só. Éuma situação espantosa, algo inaceitável. Aliás,a Vale deveria demiti-lo. É uma empresa com ambiçõesinternacionais e precisaria dar uma resposta a essa indignação,que me parece generalizada, e não contratar essa pessoa.Claramente, trata-se de um episódio em que o indivíduoestá se beneficiando amplamente da funçãopública que exercia”, disse Abramo referindo-se ao fato dePires ter participado da análise do financiamento concedido àmineradora.O caso foi comentado também pelopesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais eEconômicas(IBASE) , Carlos Tautz, que pediu mais transparênciano que diz respeito às normas de procedimento e aos critériospara aprovação de financiamentos por parte do BNDES.Para ele, houve conflito ético envolvendo a ida dofuncionário licenciado do banco para a mineradora. “Talvezuma política de informações públicasajudasse a evitar esse tipo de acontecimento”, sugeriu.

Tautz lembrou que, no ano passado,foi entregue à direção do BNDES documentoassinado por 30 organizações da sociedade, entre asquais o Ibase e a Central Única de Trabalhadores (CUT), compropostas para o sistema de avaliação na concessãode empréstimos. “E a primeira proposta que a gente fazia eraque o banco precisava ter mais transparência. O banco tem umsistema de obscurantismo em torno dos critérios que eleutiliza para liberar recursos que é muito ruim. Nãogarante a transparência”, frisou.

Na avaliação de Tautz,a crítica à contratação de Siani pelaVale talvez nem tivesse sido levantada “se o banco tivesse umapolítica de informações públicas paratornar claro quais são os critérios que utiliza paraliberar os recursos dele, para colocar claro quais são ossetores que ele privilegia. Isso não existe”.

O pesquisador ressaltou que, deacordo com a legislação em vigor, Siani Pires nãoteria que cumprir quarentena (período em que o funcionáriofica proibido de assumir cargo na iniciativa privada), uma vez que o“jejum” é exigido somente para ministros, presidentes ediretores de estatais.

Ele criticou o fato do denunciante,o economista do BNDES Maurício Dias David, ser o primeiroconvocado pela Comissão de Ética Profissional do banco,e não o denunciado. David questionou a contrataçãoe o envolvimento de Siani Pires na concessão do empréstimodo BNDES à Vale, em mensagem eletrônica enviada aosfuncionários do banco. “É uma coisa que o bancoprecisa esclarecer. Como banco público, que tem recursos doFundo de Amparo ao Trabalhador. O banco precisa esclarecer quais sãoseus critérios, suas normas, seus procedimentos. Precisa terisso sistematizado numa política de informaçõespúblicas”, concluiu. A assessoria de imprensa do BNDES informou quePires não participou da negociação, nem dadecisão do empréstimo para a Vale, e que o funcionáriolicenciado assinou uma declaração formal secomprometendo a não exercer atividades que envolvam conflitode interesses no BNDES, medida de praxe a todos os funcionáriosque se afastam por licença.