Vladimir Platonow
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - A enchente que matou nove pessoas e deixou 400 famíliasdesabrigadas na última semana em Itaipava, distrito de Petrópolis (RJ), foi agravada peladevastação do meio ambiente que a região serrana fluminense vem enfrentando nasúltimas décadas. A opinião é do geógrafo Ricardo Ganem, que trabalha na área eatualmente administra a Reserva Biológica de Araras.“Todo rio tem uma vegetação que fixa e protege suas margens.Mas, ao longo dos anos, essa árvores foram derrubadas, assim como as existentesnas encostas e nos topos dos morros, conhecidas como Áreas de PreservaçãoPermanente (APPs). Nesses locais foram construídas residências, sítios deveraneio, haras, indústrias e depósitos de material de construção. E foramjustamente eles os mais afetados com a tromba d´água.”A chuva intensa do sábado e domingo de carnaval fez subirrapidamente o rio Santo Antônio, que se elevou em mais de cinco metros,atingindo centenas de residências às suas margens. A cheia ocorreu de madrugadae a água avançou sobre as casas em pouco mais de uma hora, pegando os moradoresde surpresa. Para o geógrafo, ainda que a tromba d´água tenha sido forados padrões, a devastação da natureza e as construções irregulares foramdeterminantes para a tragédia.“Se nós tivéssemos vegetação protetora nos morros e asmargens dos rios florestadas, haveria conseqüência dessa chuva, mas em menorescala. A vegetação é fundamental para evitar deslizamentos e enchentes. Oassoreamento do rio nada mais é que a terra que saiu de suas margens e foi parao leito, porque não tem vegetação para segurar, atuando como esponja. Com isso,o rio fica mais raso e transborda com facilidade”.Outro problema apontado por Ganem são as interferênciashumanas no traçado do rio, que foi retificado ao longo dos anos. “O rio perdesuas curvas e aumenta a velocidade da água, o que acaba em tragédia com umachuva mais forte.”Ganem também chama atenção para o desrespeito ao CódigoFlorestal, de 1965, que proíbe construções em uma faixa mínima de 30 metros apartir da margem dos rios. “Todos os casos relatados [de casas atingidas pelaenchente] estavam dentro dessa faixa.”Para o geógrafo, apesar de a região serrana de Petrópolisainda preservar cerca de 50% de sua vegetação original, as pressões sobre afloresta são cada dia maiores. “As florestas estão sendo resumidas a ilhas. Avegetação está desaparecendo em um ritmo muito rápido, através de umafragmentação florestal. Desmata 200 metros aqui, mil metros ali, e ao longo dedécadas você tem perda de milhares de hectares.”Segundo Ganem, isso acaba comprometendo a sobrevivência deespécies animais, que ficam impedidas de se reproduzirem. Na região foramidentificados mais de 200 tipos de aves, além da presença de mamíferos degrande porte, como a onça parda, ameaçada de extinção.Quanto às construções irregulares – em Petrópolis é muitocomum ver casas construídas no meio da mata – o geógrafo diz que é precisoestudar cada caso para saber se está enquadrado na legislação ambiental. Ele admite que a maior parte está fora das especificações. “A grande maioria éconstruída aleatoriamente, sem nenhum tipo de padrão, sem nenhum tipo deautorização. Na área urbana, a competência de fiscalização é do município.”Segundo o geógrafo, as ocupações acabam sendoincentivadas pelas próprias concessionárias de serviços, como água, luz etelefonia, que fornecem estrutura às residências, sem respaldo legal. “Isso éfator de incentivo à ocupação desordenada.”