Marco Antônio Soalheiro
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Dois documentosrecentes, do Banco Mundial (Bird) e da Organização dasNações Unidas (ONU), alertam que a expansão dosbiocombustíveis nos continentes pode provocar aumentosignificativo no preço dos alimentos e agravar o desmatamentoe a disputa por terras e água. O documento da ONUchega a sugerir um acordo internacional que suspenda por cinco anos oavanço do setor.“A medida é necessária para quehaja tempo suficiente de pensar tecnologias e estabelecer estruturasreguladoras de proteção contra os efeitos negativosambientais, sociais e para os direitos humanos”, diz no texto orelator da ONU para Segurança alimentar, Jean Ziegler, que leua avaliação na assembléia geral da entidaderealizada em setembro. Na oportunidade, ele defendeu modelos deprodução de biocombustível baseados em dejetosagrícolas, resíduos de cultivos e arbustos nãoalimentícios.Na abertura do evento, o presidente LuizInácio Lula da Silva discursou contestando a tese, com oBrasil como exemplo. “A cana-de-açúcar ocupa apenas1% de nossas terras agricultáveis, com crescentes índicesde produtividade. O problema de fome no planeta não decorre dafalta de alimentos, mas da falta de renda”, disse, para concluir:“É plenamente possível combinar biocombustíveis,preservação ambiental e produção dealimentos.” Orelatório do Bird, intitulado Agricultura para oDesenvolvimento, foi divulgado há nove dias. Apesar delistar os mesmo riscos apontados pela ONU, ressalva a capacidade dobiocombustível de contribuir, diante das mudançasclimáticas, para a redução da dependênciado petróleo.O Brasil é o segundo maior produtormundial de etanol (12 milhões de toneladas em 2006, a partirda cana-de-açúcar), atrás apenas dos EstadosUnidos, que utilizam o milho como base. Os presidentes dos doispaíses assinaram em março acordoem que se comprometem a incrementar a produção.Também cresce a fabricação de biodieselmediante a utilização de óleos vegetais. Oestudo da ONU classifica como possível “desastre” aconversão de culturas de alimentos em combustíveis paraautomóveis sem examinar os efeitos sobre a fome no mundo. Odireito à alimentação adequada implica que todasas pessoas tenham acesso físico e econômico em todomomento a alimentos suficientes do ponto de vista nutritivo.ParaZiegler, “os mitos da imagem verde e pura do bioetanol e dobiodiesel são utilizados para mascarar relaçõespolítico-econômicas entre a terra, os recursos de umpovo e os alimentos”. Em sua tese, o relator da ONU citapesquisa do Instituto de Investigação sobre PolíticasAlimentares (Iipa) segundo a qual, diante da expansão dosagrocombustíveis, até 2020 haveria acréscimo de30% no preço do trigo, 41% no do milho, 76% no da soja e 135%no da mandioca. Nas projeções do Iipa, cada pontopercentual acrescido no preço médio dos alimentosbásicos resultaria em mais 16 milhões de pessoas emcondição de desnutrição.JeanZiegler defendeu, na assembléia das NaçõesUnidas, que a alta dos alimentos, além de ameaçarsobrevivência de quem tem renda suficiente apenas para comer,só viria a beneficiar os produtores agrícolas pobres sefossem adotados modelos cooperativos que garantam mais lucratividadea eles. Além disso, teria como efeitos a intensificaçãoda disputa por terras e recursos naturais, como as reservasflorestais. Grandes empresas agroindustriais tenderiam,segundo Ziegler, a fazer com que pequenos proprietários fossemdespejados a força. “Existe o risco de que, dada acompetição por terras com os agricultoresindependentes, a produção de biocombustíveispossa produzir maior desemprego”, escreveu, no relato apresentado àONU.Para a Organizaçãodas Nações Unidas para Agricultura e Alimentação(FAO), cabe aos governos dos países criar políticas reguladoras para o setor.