Entrevista 1 – Lutas contra o aquecimento e a pobreza caminham juntas, diz vice do IPCC

27/10/2007 - 23h43

Luana Lourenço
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - O vice-presidente doPainel Intergovernamental sobre Mudança Climática(IPCC, na sigla em inglês), Mohan Munasinghe, alerta que paísespobres sentirão os principais impactos do aquecimento global eque as nações industrializadas devem ter maisresponsabilidade na mitigação de gases do efeitoestufa. Afirma, também, que existem boas experiências deavanço simultâneo no desenvolvimento socioeconômicoe na contenção das mudanças climáticas.Apesarde não defender o estabelecimento de metas de reduçãopara países em desenvolvimento, o vice-presidente do IPCCaponta uma solução alternativa: a criaçãode um grupo intermediário, com responsabilidades mais próximasàs dos países ricos. O Brasil, segundo Munasinghe,poderia ser incluído nesse grupo.Ele concedeu entrevistaà Agência Brasil durante a semana, quando estevena capital fluminense para o primeiro encontro do painel da AméricaLatina, organizado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Riode Janeiro e pela Companhia Vale do Rio Doce.Agência Brasil: Quais os pontosmais relevantes das conclusões do IPCC? Mohan Munasinghe: Oponto principal é que o aquecimento global éinequívoco. O segundo, é que é muito provávelque ele tenha sido causado pela ação humana,principalmente após a Revolução Industrial, nosúltimos 100 anos. E a causa é o acúmulo decarbono na atmosfera. O terceiro ponto é que os impactos serãosentidos com mais intensidade nos países pobres e pelos gruposmais pobres – isso é relevante para nós.O relatório fezprevisões sobre o aumento de temperatura e do nível domar, e também apontou as soluções. Nóspropusemos, por exemplo, ações de adaptação.E também de mitigação, para reduzir as emissõesde gases de efeito estufa. O Protocolo de Quioto é sóum pequeno passo para essa mitigação, e nem ele mesmofoi propriamente implementado. Os resultados do IPCC mostraram quenos últimos 30 anos as emissões aumentaram mais de 70%.Mesmo nos últimos dez anos, depois do Protocolo de Quioto, asemissões aumentaram, e isso é inaceitável. Oponto mais importante para países em desenvolvimento, comoBrasil e o Sri Lanka – meu país – é que o melhormétodo para resolver o aquecimento global, para adaptaçãoe mitigação, é integrar as soluçõesem uma estratégia de ação: é o caminhopara continuar o desenvolvimento, com melhoria da vida das pessoaspobres e combate ao problema das mudanças climáticas aomesmo tempo.ABr: Como isso épossível?Munasinghe: A questãoé tornar esse desenvolvimento mais sustentável. Temoshistórias de sucesso de adaptação, mitigaçãoe desenvolvimento ao mesmo tempo. Temos metodologias e tecnologiaspara isso. Desenvolvimento e clima não devem ser opostos, sãocomplementares. A idéia é continuar a desenvolver, masde forma mais sustentável, para resolver não sóo problema do aquecimento, mas também a pobreza e segurançaalimentar, por exemplo. O mais importante de tudo é que essespaíses não podem copiar ou repetir os resultados ruinsdos países desenvolvidos.A soluçãoé que países industrializados reduzam suas emissõese países em desenvolvimento tenham outro caminho dedesenvolvimento, em que as emissões não cresçamtão rápido.ABr: É hora deestabelecer metas de redução de emissões para emdesenvolvimento?Munasinghe: A Convençãode Mudanças Climáticas [da Organizaçãodas Nações Unidas] fala em responsabilidadescomuns, mas diferenciadas. Comum porque eu, você e todo mundotemos o objetivo conjunto de salvar o planeta; diferenciadas porquenós temos diferentes habilidades e capacidades para isso.O Protocolo de Quiotoreconheceu esse princípio: mais de 80% dos gases de efeitoestufa presentes na atmosfera hoje foram emitidos pelos paísesricos. Além disso, eles têm mais recursos econômicose financeiros. O protocolo diz: vocês, países ricosdevem começar a mitigação e mostrar para o restodo mundo como isso está sendo feito. Nos países emdesenvolvimento, os níveis de emissões per capita aindasão pequenos, e para crescer eles precisam aumentar essasemissões; isso é reconhecido ao não seestabelecer metas no protocolo para essas nações emdesenvolvimento.No entanto, àmedida que a tecnologia vai se desenvolvendo nos paísesindustrializados, podemos começar a adotar algumas tecnologiasde mitigação e reduzir o crescimento global dasemissões e de utilização de energia. Em vez deseparar países no Anexo 1 [do Protocolo de Quioto] oufora do Anexo 1, ricos e pobres, é possível ter umgrupo intermediário. Por exemplo, a Coréia, ela poderiaentrar no grupo de países do Anexo 1, porque agora ela érica; teríamos países se preparando para entrar nogrupo dos países com metas. Acredito que as negociaçõespós-Quioto, que vão começar agora em Bali [emdezembro] vão tentar incluir algumas dessas idéias.ABr: Qual seria aposição do Brasil nesse contexto?Munasinghe: Acreditoque o Brasil estaria mais próximo do grupo intermediário.ABr: Com metas?Munasinghe: Nãonecessariamente. Caberia ao governo tomar a decisão. O maisimportante não é estabelecer metas para os paísesem desenvolvimento, mas garantir que os países ricosimplementem, cumpram suas metas. É muito mais importante,porque eles já concordaram, ratificaram o protocolo, mas estãolonge de cumpri-lo.ABr: A participaçãodo IPCC na reunião das partes (COP) não indica que opainel tem influência política sobre as naçõesrepresentadas na convenção?Munasinghe: Nãofazemos recomendações. O IPCC vai apresentarresultados, como está fazendo aqui, então ficaráóbvio para os formuladores de políticas o que precisaser feito. Não temos que dizer: faça isso, façaaquilo. Não é nosso trabalho. Mas quando eles vêemos resultados, eles sabem o que têm que fazer. E cada paístem que tomar atitudes diferentes; não conseguiríamosdar instruções a 160 países.Leia também o segundo trecho da entrevista.