Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - A publicação da matéria “Nosúltimos dez anos, bancos arrecadaram R$ 2,6 bilhões só com tarifas cobradas declientes”, às 6h13 da manhã de quinta-feira, 27 de setembro, levou o senhorJosé Altair, presidente da Federação dos Bancários do Paraná, a ligar para aOuvidoria contestando o valor de R$ 2,6 bilhões arrecadado pelos bancos.Segundo o cidadão, os balanços de Bradesco e Itaú mostram que os dois bancos,sozinhos, arrecadaram com tarifas um valor maior do que o anunciado nareportagem para todos os bancos. Por essa razão, ele pergunta qual é orelatório do Banco Central que contém a informação divulgada pela Agência Brasil e reclama da imprecisãoda abertura da matéria que não disse que relatório é esse.Às 11h11, do mesmo dia, foia vez de o leitor Ademar Henrique Bellini enviar uma mensagem pedindo quefossem confirmados os números da mesma matéria por considerar que eles haviamsido subestimados, pois, segundo ele, “a maioria dos bancos pagam a folha depessoal só com as tarifas que cobram”.A Ouvidoria repassouimediatamente ambas as mensagens dos leitores para a redação da Agência Brasil que se apressou emapurar as informações. Às 13h, a Agência respondeu à Ouvidoria: “Entramosem contato com a redação da TV Nacional, para encontrar a origem da apuraçãodas informações feitas por ela. A TV Nacional e a Agência Brasil fazem parte do sistema Radiobrás, que trabalha deforma compartilhada. Após fazer as devidas verificações, a TV admitiu o erro eexplicou que não existe relatório do Banco Central. Além disso, informou que ovalor de R$ 2,6 bilhões corresponde somente à arrecadação de um mês de tarifaspelos bancos. A Agência entãoprocurou a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e recebeu um estudomostrando que os bancos arrecadaram R$ 52,6 bilhões com tarifas cobradas declientes em 2006. De posse dessa informação, corrigiu a reportagem e publicouuma errata às 12h38 de hoje [27/9]. O título e o texto foram alterados.” A informação permaneceu errada por seis horas e 25minutos no ar. Era a errata de número 104 deste ano, corrigindoinformações das matérias publicadas na página da Agência Brasil.Isso é muito ou é pouco?, poderia perguntar o leitor.Se considerarmos o número total de matérias publicadas em 2007, até o dia dehoje, algo em torno de 17 mil, esse número poderia ser consideradoestatisticamente irrelevante. Principalmente se considerarmos que os erros nãose referem à matéria como um todo, que contém muitas informações, mas sim aalguma informação específica, como é o caso do montante e do período dearrecadação das tarifas bancárias. O problema quando se trata de informação é aimportância do erro, qualitativamente falando, nem tanto sua quantidade. A questãoa salientar é a dimensão do erro no que tange à sua importância para a vida daspessoas. Temos ainda que analisar a dimensão do erro do ponto de vista do númerode leitores que potencialmente possam ter tido acesso à informação incorreta. Issotudo sem se falar em erros ortográficos e gramaticais presentes em muitasmatérias e que nem sequer são percebidos pelos editores e, talvez, tampoucopelos leitores.A Ouvidoria considera que mais importante ainda doque a simples constatação dos erros na construção da credibilidade dojornalismo é sanar os motivos que levam a eles e que, geralmente, estãoassociados a problemas estruturais do processo de produção jornalística de umaempresa de comunicação. Assim, não importa tanto quem cometeu o erro, mas sim aconstatação de que o jornalismo, como processo coletivo de produção deinformação, tem problemas.Nesse ponto, o jornalismo, como qualquer outroprocesso de produção, seja ele de sabonetes ou de notícias, precisa demecanismos de controle de qualidade.Na gestão passada, a direção da Radiobrás implantou o Comitê de Qualidade Editorial, responsávelpelo programa que foi ancorado em três pontos: qualidade da produçãojornalística, qualidade dos profissionais envolvidos e qualidade das posturaséticas. Esse programa estimulou a formulação de planos editoriais dos veículosda empresa, nos quais foram pactuados com os profissionais os objetivos, asdiretrizes, as metas e o funcionamento do processo de produção jornalística, entreoutras medidas.Para acompanhamento da execução dos planos, aassessoria técnica do Comitê realizou mais de 140 leituras críticas de matériasque foram ao ar por todos os veículos da Radiobrás, durante três anos. Esteouvidor foi responsável por elas, ao lado de outros profissionais que foram sesomando à equipe.Periodicamente, o Comitê de Qualidade Editorialreunia-se com as chefias dos veículos para analisar os problemas e debatersoluções. Desse processo decorreram muitas das mudanças estruturais efuncionais verificadas nos últimos anos. Dele também decorreu a produção do Manual de Jornalismo da Radiobrás,depois de mais de 30 anos de funcionamento da empresa sem um instrumento queorientasse a sua produção jornalística.Com base em todo esse arcabouço teórico e naexperiência acumulada, o controle de qualidade atualmente é exercido da maneiramais democrática e participativa possível – é o público que faz a leituracrítica e aponta os erros, via Ouvidoria.A princípio, esse tipo de controle causou certoespanto nas redações. Os jornalistas passaram a se sentir vigiados, não pelaOuvidoria, mas pelo cidadão, que ganhou voz, que passou de receptor a emissorde informação sobre a qualidade do jornalismo. Com o tempo, os profissionaisviram que o objetivo da atuação da Ouvidoria não era expor ou crucificarninguém, e sim corrigir os rumos dos processos e ajudar a aperfeiçoar o fazerjornalístico com base na opinião e das necessidades de quem recebe ainformação.O objetivo desse controle continua sendo melhorar aqualidade da informação. Para isso, a Ouvidoria tem agido no sentido de ajudaros gestores dos veículos a detectar problemas e encontrar soluções, talvez nãona velocidade e na intensidade que o público espera e a que tem direito.Mudanças são processos dolorosos, atingem interessese podem gerar reações imprevisíveis. Mas de modo geral acolaboração e a disposição para que elas ocorram têm sido a marca das redaçõesda Radiobrás, estimuladas peladireção da empresa. No caso da AgênciaBrasil, a velocidade com que ela tem respondido às demandas do leitor,quando ele tem razão, mostra disposição em buscar o aprimoramento da qualidadeda informação. Os 104 “erramos”, publicados assim que foram constatados oserros devem ser considerados um sinal de honestidade e respeito para com opúblico leitor. Porém, corrigir as causas desses erros é uma atitudeque demanda muito mais que boa vontade, disposição e honestidade. Às vezes,requer medidas corretivas profundas, revisão de posturas e mudança de cultura. A vigilância de leitores como José Altair e AdemarHenrique Bellini ajudam a fazer o controle de qualidade editorial da Agência Brasil. Vontade de acertartodos tem. Já condições para não errar ou não publicar matérias com errosdepende de muitos fatores que vão além da vontade dos profissionais. Essesfatores continuam sendo perseguidos. Deles depende a credibilidade dainformação de uma empresa pública de comunicação. Até a próxima semana.