Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - A Contribuição ProvisóriaSobre a Movimentação Financeira (CPMF) expira este ano. O governo defende a continuidade da contribuição quearrecadou, no ano passado, recursos da ordem de R$ 32 bilhões,mas sua prorrogação precisa ser aprovada peloCongresso Nacional. O advogado e presidente da ComissãoEspecial de Assuntos Tributários da OAB-SP, Walter CarlosCardoso Henrique, em entrevista à Agência Brasil, disse queé contra a prorrogação da CPMF.A votação da prorrogaçãoda CPMF até 2011 deve ser concluída até o fimdeste mês, segundo o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia(PT-SP). Ele disse que a oposição tem feitoobstruções em protesto contra a continuidade do impostodo cheque, mas alguns acordos já permitiram avançospara destrancar a pauta do plenário. A CPMF surgiu inicialmenteem julho de 1993, sob o nome de Imposto Provisório sobreMovimentação Financeira (IPMF), com a finalidade decustear a saúde pública brasileira. Em 24 de outubro de1996, já sob a sigla de CPMF, foi instituída pela Lei9.311, sancionada por Fernando Henrique Cardoso e tem sidomantida desde então. Modificada por sucessivas leis, teve suaalíquota inicial (0,25%) elevada para 0,38%. O governo federal tem defendido a manutençãoda cobrança do tributo alegando que o dinheiro arrecadado éservido para programas sociais e para custear a saúde pública,mas entidades como a Federação das Indústrias doestado de São Paulo (Fiesp), a Ordem dos Advogados do Brasilpaulista (OAB-SP), o Centro das Indústrias do estado de SãoPaulo (Ciesp), entre outras, têm feito campanhas nacionais pelofim da CPMF.O advogado Walter CarlosCardoso Henriquedefende o fim dacontribuição e diz que o dinheiro que ogoverno arrecada, independente da CPMF, já seria suficientepara cobrir os gastos sociais e com a saúde. “O que ogoverno federal já arrecada é mais do que suficientepara qualquer tipo de medida bem feita. O que não dámais para aceitar é a tributação exagerada semretorno algum”, avalia.Confira trechos da entrevista:Agência Brasil: Por quea OAB defende a extinção da cobrança da CPMF?Walter Carlos Cardoso Henrique: Atributação é um ato de cidadania, não éum ato unilateral do governo que procura apenas se enriquecer.Através da tributação, o cidadãocontribui individualmente para com a coletividade. A CPMF é umtributo como outro qualquer e com efeitos duvidosos com relaçãoà economia. O Brasil não tem a titularidade, a autoriadesse imposto sobre a movimentação financeira. AAustrália já instituiu e extinguiu. A Inglaterra játeve algo similar e outros países também. Todos ospaíses que tiveram experiências similares cancelaramesse tipo de tributação. E o Brasil passa por ummomento interessante. A Receita Federal do Brasil vem acumulando, anoapós ano, recorde de arrecadação. O quanto éarrecadado com a CPMF não é totalmente utilizado emsaúde. O ganho vegetativo da arrecadação jáé superior ao que é arrecadado com a CPMF. O governodiz que a CPMF é importante para a saúde, para osgastos sociais... Acho que é algo sem fundamento porque, mesmocom ganhos de arrecadação fantásticos e com aarrecadação mantida da CPMF, o Brasil vem registrandorecordes em déficit de saúde. É só severificar a situação da dengue que agora estáganhando um ar mais perigoso, uma situação mais grave.Então é muito difícil aceitar uma tributaçãosob a desculpa de que o dinheiro vá para a saúde nomomento em que a arrecadação é marcada porrecordes e o dinheiro é, efetivamente, mal utilizado. ABr: O ministro da Fazenda GuidoMantega vem dizendo que é necessário se manter acobrança da CPMF porque, do contrário, se diminuiriamos investimentos com saúde e com os programas sociais. Como osenhor analisa esse argumento do ministro?Henrique: O que se defende éuma gestão efetiva, uma gestão transparente.Arrecada-se muito. E como se arrecada muito e de qualquer jeito, odinheiro é gasto de maneira desrespeitosa, de uma maneiradesenfreada e é mal utilizado. O problema da saúde nãose resolve com a CPMF. Quanto mais dinheiro for dado ao governo, maisdinheiro vai ser gasto e efetivamente nós não temosretorno algum. Então, qualquer político ouauto-executivo do governo brasileiro que venha justificar amanutenção da CPMF como uma coisa essencial para asaúde, para a seguridade social, etc., está agindo edefendendo a posição do governo, não do estadobrasileiro. O governo é composto por nossos representantes eeles já vêm, dia após dia, dando demonstraçõesde que o nosso dinheiro é mal utilizado. A Receita Federal doBrasil registra recordes em cima de recordes com relaçãoà arrecadação. O dinheiro da CPMF é malutilizado do mesmo jeito. Se o dinheiro da CPMF fosse tãoessencial, nós não teríamos tantas crises comonós estamos vendo diariamente na saúde do país.ABr: Quer dizer: o senhor defendeque a própria arrecadação do governo,independente da cobrança da CPMF, deveria contribuir parafinanciar a saúde e os programas sociais?Henrique: Sem dúvida. Oque o governo federal já arrecada é mais do quesuficiente para qualquer tipo de medida bem feita. O que nãodá mais para aceitar é a tributaçãoexagerada sem retorno algum. Tributação écidadania. Eu pago, você paga, todos nós pagamos e todosnós estamos tendo retorno. Não é possívelque todo mundo continue pagando e continuemos não tenho nenhumretorno. Discurso envolvendo CPMF à saúde é maisum discurso de caráter econômico do que social. ABr: Quem sairia prejudicado coma manutenção da CPMF?Henrique: Todos, até opróprio governo, porque os juros com a rolagem da dívidapública têm a CPMF no meio. Todos nóscontribuímos e não temos retorno. A situaçãoé muito curiosa porque, estudos feitos pela Fiesp (Federaçãodas Indústrias do estado de São Paulo), pela OAB epelas entidades que fazem parte do Fórum Permanente de Defesado Empreendedor apontam para um custo mais elevado da CPMF nasclasses inferiores, menos afortunadas, do que nas classes maisabastadas. Em outras palavras: quem mais paga CPMF no país éa classe assalariada, menos afortunada. E isso é umdescompasso inaceitável.ABr: O governo deveria criar umnovo tributo para substituir a CPMF?Henrique: A saída nãoestá em nova tributação. A saída estáem gestão. Mais importante do que sabermos de cor o nome dosecretário da Receita Federal é sabermos o nome doministro do Planejamento, que nem todos sabem. O que importa égestão. Dinheiro há, dinheiro existe. Tem que ser bemutilizado.ABr: O presidente Lula defendeuhoje [na última quinta-feira, quando a entrevista foi feita] a cobrança da CPMF, dizendo que ela é umimposto que fiscaliza e que as pessoas que pensam em extingui-lodeveriam propor um novo tributo para colocar no lugar. O que o senhorpensa a respeito das declarações do presidente?Henrique: A sociedade brasileira,quando aceitou a CPMF como tributo provisório, aceitou atributação como algo passageiro. Algo aceito comopassageiro não pode ser perene. Se o governo não fez alição de casa, até quando nós, do povo,vamos ter que fazer, por eles, o que eles não fazem por nós?É difícil. Acho que é o peso do custo político:vazio de conteúdo.ABr: A CPMF, que foi criada em1996, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, jácumpriu o seu papel?Henrique: Exatamente. A CPMF, senão me engano, tem 11 anos e se cogita a prorrogaçãopor mais dez [anos]. Para algo que surgiu como provisório,completar a maioridade após 21 anos é algo sem sentido.Volto a falar e insisto: a tributação é algosério: é o particular colaborando para o dinheirinho dobolso da coletividade. A CPMF teve uma funçãoimportante quando surgiu lá atrás com a desculpa e ofundamento do dinheiro ser destinado à saúde. O que nãodá mais para aceitar é ver o dinheiro não serutilizado integralmente na saúde, o governo federal terrecorde de arrecadação em valores superiores ao quantoé arrecadado com a CPMF e, mesmo assim, dizer que esse tributoé essencial para a saúde. Todos nós acompanhamosa situação do povo brasileiro. Todos nóspassamos por isso ou temos alguém próximo que nãotenha [direito à] saúde como teria que ter. Éuma situação muito cômoda falar em tributação,em trocar a CPMF por outro tributo. Tributação jáhá em índices e cargas mais do que suficientes.