Edla Lula
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A turbulência no mercadointernacional, provocada pela crise do setor imobiliário dos EstadosUnidos fez hoje (15) o dólar ultrapassar a barreira de R$ 2. Desde maio, a moeda norte-americana estava cotada abaixo dessepatamar. E a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) registrou queda de 3%.Embora o governo expresse sinaisde tranqüilidade em relação ao câmbio, que segundo o ministro daFazenda, Guido Mantega, está apenas provando que "é flutuante", aretirado de dólares do país por parte dos investidores deve servircomo sinal de que é necessário uma política cambial que imponharestrições ao investimento de curto prazo, que permite ao investidorestrangeiro retirar seu dinheiro do país a qualquer momento."Nocaso do Brasil, o agravante é que a estrutura de investimentos serevela frágil e perversa quanto à capacidade de absorção de crises porfatores exógenos, visto que há grande concentração de recursos externosem ativos financeiros com elevada liquidez. Sendo, portanto, necessáriaa adoção de medidas para seleção de capitais estrangeiros, não fechandoa porta de saída, mas premiando o capital de longo prazo", diz aanálise divulgada pela agência de classificação de risco Austin Rating.EdgarPereira, economista-chefe do Instituto de Estudos para oDesenvolvimento da Indústria (Iedi), afirma que, embora num primeiro momento o dólar esteja subindo – o que,para ele, beneficia a produção local e as exportações –, é possível que retome a trajetória de queda, voltando a prejudicar a indústria.Por isso, ele defende a adoção de medidas mais permanentes por parte dogoverno. "O fato é que o dólar está fora do lugar, está malposicionado. Não é a crise que vai corrigir isso. O que vai corrigir éuma política monetária doméstica mais consistente com a trajetória decrescimento da economia do que a que vem sendo praticada até agora",disse. A crise se intensificou nosEstados Unidos porque vários tomadores de empréstimos no setorimobiliário deixaram de pagar suas dívidas. Eles estão no grupo dosubprime, um tipo de mercado que não exige garantias como comprovantede renda ou "nada consta". Como se trata de uma operação de altíssimorisco, os empréstimos são feitos a taxas bastante elevadas. O retornopara o investidor é bom, mas arriscado. Os bancos, que emprestaram muito,não estão recebendo de volta. Em conseqüência, as instituições einvestidores do mundo inteiro que emprestam aos bancos também nãorecebem, e sofrem o chamado efeito dominó. Ainda não há números oficiaissobre o tamanho do calote. As estimativas variam de bilhões a trilhõesde dólares. "Não sabemos qual é o tamanho da exposição dos fundos depensão do mundo no mercado hipotecário, por isso é muito difícilavaliar a profundidade da crise", ponderou Alex Agostini,economista-chefe da Austin. Mas ele disse não acreditar que o prejuízo atinjaa casa dos trilhões. Para a agência, é prematura avaliar se a crise financeira irá afetara economia como um todo, o que ainda não aconteceu nem mesmo nosEstados Unidos. "A crise vivida pelo mercado financeiromundial deve se limitar ao segmento de hipotecas nos EUA, com foco nosubprime. Ou seja, de posse das informações disponíveis até o momento,a crise atual caracteriza-se como localizada e conjuntural", diz aAustin.As expectativas são de que a crisenão chegará à produção nacional, às fábricas e às exportações. "Estacrise afeta o mercado financeiro, mas a gente aqui não vai ter umacrise econômica do lado da produção, das vendas", aposta Agostini. Paraele, só haverá efeito na economia como um todo se mudar as expectativasdo consumidor, o que mexeria nas estratégias do setor empresarial. "Aío consumo cai, a produção cai. Aí tem que ajustar o custo", alertou. Os dados sobre as vendas novarejo, divulgados hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reforçam a crença de que as empresase os consumidores – que fazem a economia real funcionar – ainda nãoestão preocupados com o momento. A informação motivou até comemoraçãopor parte do ministro Mantega: "Eu estou feliz porque a economia estácrescendo vigorosamente, o mercado consumidor já é uma realidade. Nósestamos, com a pesquisa mensal de comércio apontando para 13% decrescimento neste ano, em relação ao ano anterior. A população estáconsumindo mais 13% e isso é demanda para as empresasbrasileiras". Ele lembrou ainda que a produçãoestá crescendo em todos os setores: "Há uma geração de emprego que érecorde. Nos sete primeiros meses, passou o que produzimos de emprego noano passado inteiro. O investimento está correndo na frente doconsumo".Menos otimista, Edgar Pereira,afirmou que o fato de a indústria estar crescendo 4,5%, ao passo que oconsumo cresce a 10%, pode preocupar. "Há de fato um aquecimento daeconomia, as vendas estão crescendo, mas isso não está se traduzindointeiramente em aumento da produção e do emprego", disse.