José Carlos Mattedi*
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Para a subprocuradora-geral da República e coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, Deborah Duprat, o Judiciário brasileiro é movido por uma forte incompreensão sobre a natureza dos direitos de povos indígenas. Segundo ela, isso ocorre porque a justiça demora para compreender o que se passa no mundo social, por ser “um poder ainda bastante distante da realidade”.
Duprat sublinha que o Judiciário é lento em relação às mudanças sociais, principalmente se forem levados em conta os grandes avanços promovidos pela Constituição Federal de 1988, quando houve uma quebra de paradigmas com o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. De acordo com a subprocuradora, a justiça reflete sobre o tema apenas a partir do momento em que as questões vão chegando, “e começa refletindo sobre pressupostos antigos, como a integração à sociedade nacional e a perda da identidade”.
Assim, prossegue Duprat, tanto o Judiciário como a sociedade brasileira ainda não perceberam que os povos indígenas passaram de uma situação de invisibilidade e de inferioridade para um momento de fortalecimento de suas identidades, e de empoderamento de seu próprio processo social.
“Quando falamos em empoderamento, significa que os índios forçaram o direito a reconhecer que essa é uma nação plural, com inúmeras identidades e que, numa nação assim, você tem que ter espaços que acolham toda essa diversidade”, destaca. Duprat acrescenta que o direito nacional anterior à Constituição de 1988 foi construído ignorando essas identidades.
“Esse direito foi construído sobre o pressuposto de uma homogeneidade social. Quando esse modelo se rompe, é natural que a sociedade reaja, e que os operadores do direito também fiquem um pouco sem instrumentos novos para substituir aqueles que operaram durante tanto tempo”, explica.
Segundo ela, a marca do direito anterior no país foi a proteção à propriedade privada, considerada um direito fundamental. Com a Carta Magna de 1988, propriedade e território foram colocadas lado a lado, mas com noções completamente distintas. “O território não é uma apropriação patrimonial, mas um espaço onde as pessoas têm uma referência de identidade. Mas como o Judiciário ainda está preso a essa noção de direito pressionado pela propriedade privada, quem se diz proprietário é favorecido pelas decisões judiciais. Como ser proprietário fosse uma condição de maior dignidade da pessoa humana do que sua própria identidade. O que é um absurdo”, pontua.
Por outro lado, Duprat defende o Judiciário quando o assunto é o avanço das fronteiras agrícolas sobre terras indígenas. Segundo ela, esse é um projeto do governo apresentado como de desenvolvimento nacional, “e isso coloca em xeque o processo de identificação de territórios étnicos”.
E conclui: “O fato é que apontamos problemas na justiça, mas existem outros muito maiores no âmbito dos demais poderes. O Executivo concebe planos de desenvolvimento que passam ao largo das populações indígenas, no sentido de ignorá-las no processo decisório e na própria concepção do que seja desenvolvimento nacional. Então, essa noção de desenvolvimento é apropriada pelo grupo referente ao direito anterior.”*a partir de entrevista a Beth Begonha e Spensy Pimentel, no programa Amazônia Brasileira, da Rádio Nacional da Amazônia