Missão no Haiti precisa vencer fama do "cemitério de projetos", diz especialista

14/02/2007 - 16h50

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti(Minustah) tem a sua frente o desafio de desenvolver projetos sustentáveis parao país caribenho, na avaliação do cientista político Ricardo Seitenfus.“O queocorre, muitas vezes, é que projetos maravilhosos são apresentados e não têmauto-sustentabilidade”, diz ele. “Por isso é que alguns especialistas chamam oHaiti de cemitério de projetos.”Seitenfus, doutor em Relações Internacionais, é autor dolivro “Haiti – A Soberania dos Ditadores” e já atuou no país como consultor dogoverno brasileiro e das Nações Unidas.Ele fez as avaliações em entrevista à RádioNacional. Para o especialista, a estabilização do Haiti na verdadeenvolve um “desafio de longo prazo”, de pelo menos 15 a 20 anos ,necessáriospara tirar o país da miséria.O cientista político lembra que, ainda hoje, cerca de 80% doshaitianos estão desempregados, e o país sofre com problemas como o êxodo rural ea ausência de capacidade do Estado para assumir funções básicas, comoa Justiça.“Para que se tenha uma idéia, 85% dos presos no Haiti estão emdetenção provisória, portanto não há processos de julgamento ou de absolvição”,diz ele.Não é impossível reverter esse caos, afirma Seitenfus. Elelembra que, séculos atrás, o país era a mais rica colônia francesa, grandeprodutora de cana-de-açúcar e café - "70% da produção vinda das colôniaspara a França, vinha do Haiti", diz ele.Além disso, poucos anos depois dos EstadosUnidos, o Haiti foi o segundo país das Américas a se tornar independente – e, oque se tratou de um caso único, a partir de uma rebelião de negros escravos.O problema é que se passaram décadas sem que o paísregistrasse investimentos em infra-estrutura. Ele exemplifica: “Para se fazeruma viagem de 150 quilômetros, se levam sete, oito horas, para que se tenha umaidéia do estado das estradas”. “Essa é uma questão que envolve toda acooperação internacional, e há projetos, e há possibilidades”, completa.Devido à instabilidade política dos últimos anos, lembraSeitenfus, até mesmo as “vocações econômicas” do país caribenho, outrora a“Pérola das Antilhas”, estão abandonadas. “O Haiti tem uma capacidade nasplanícies agrícolas que não está sendo utilizada. Que foi abandonada nessasúltimas décadas”, diz ele. “É necessário retomar esse desenvolvimento agrícola,(...) com a pequena propriedade rural, com a economia familiar.”Outra possibilidade que não vem sendo aproveitada, segundo oespecialista, é a instalação de empresas exportadoras interessadas em montarprodutos no Haiti, utilizando a abundância de mão-de-obra barata e com baixaqualificação. Essa alternativa é objeto de críticas por parte dos movimentossociais, mas o governo haitiano vem considerando sua viabilidade, como formaemergencial de resolver os problemas econômicos do país.Nesse processo de recuperação econômica, o Brasil tem muitoa colaborar, a partir dos projetos de cooperação, na avaliação de Seitenfus.Ele cita um caso: “O Haiti não tem nenhum tipo de recuperação de lixo, não temnenhum tipo de cooperativa. Não tem sequer recolhimento de lixo. Essa é umaexperiência interessante que o Brasil pode aportar ao Haiti, porque isso dámão-de-obra, isso dá renda, mobiliza uma parte da população que não équalificada”.Seitenfus faz, também, uma advertência quanto à cooperaçãointernacional. “Tem que ser focado, tem que ser levado com muito cuidado.Porque, se nós atropelarmos eles com apresentação ou imposição de modelos, éevidente que o Haiti não aceitará e nós voltaremos à estaca zero”, diz, emreferência específica à colaboração na remodelação do Judiciário do país. A Minustah conta com cerca de 7 mil militares, sendo 1,2 mil brasileiros, além de 2 mil policiais e centenas de funcionários civis. As forças, coordenadas pelas Nações Unidas, estão no Haiti desde 2004. O mandato da missão expira esta semana, e o Conselho de Segurança da ONU deverá votar a proposta de nova extensão da permanência das tropas nos próximos dias.