Juliana Andrade
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O ambiente familiar é o mais adequado para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Essa é a orientação geral do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, aprovado na última semana pelos conselhos nacionais de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e de Assistência Social (CNAS). Mas o que fazer quando o bem-estar da criança esbarra em casos de violência doméstica ou em situações de negligência, por exemplo? De acordo com o assessor da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Alexandre Reis, que participou da elaboração da nova política, a resposta está no próprio plano, que prevê a implementação de programas de famílias acolhedoras.Segundo ele, o programa tem foco na proteção integral de crianças e adolescentes em situação de risco. Em vez de serem encaminhados para instituições como abrigos, eles são afastados temporariamente de suas famílias biológicas e acolhidos por outra família, até que haja condições de voltarem para casa. Para isso, durante esse período, a família de origem deve ser acompanhada por psicólogos e assistentes sociais, destaca o assessor.“Não se trata de colocar a criança em uma outra família e esquecer dela. Quando se coloca uma criança numa família substituta ou numa família acolhedora, essa família tem que ser acompanhada, estar preparada. Essa medida, inclusive, tem que ser discutida com a própria criança e com a família de origem”, explica Reis.Desde 1996, a família da professora aposentada Neuza Mattos de Andrade, que vive no Rio de Janeiro, já passou por essa experiência por 16 vezes. Esse é o número de crianças acolhidas na casa da professora, todas com idade entre oito meses e 10 anos. Ela conta que apenas uma das crianças não voltou a conviver com a família de origem, porque a mãe morreu e, com isso, teve de ser encaminhada à adoção.Para Andrade - que tem três filhos biológicos, sete adotivos e três netos -, a principal satisfação é ajudar a reorganizar as famílias acolhidas.“Eu tenho essa visão por ter em casa os dois casos - os acolhidos e os adotados. No caso do adotado, você dá amor a uma criança e contribui para a reestruturação dessa vida que foi abandonada. Mas quando você acolhe, acolhe uma criança e também uma família, contribuindo para que essas famílias sejam reestruturadas”.Na avaliação de Reis, experiências como a da professora carioca ainda são pouco freqüentes no Brasil, ao contrário de países como a França, Itália e Espanha. Além do Rio de Janeiro, as iniciativas brasileiras ocorrem principalmente em municípios dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, como resultado de iniciativas conjuntas entre o poder público municipal e Organizações Não-Governamentais.Uma das instituições que desenvolvem esse trabalho é a Associação Brasileira Terra dos Homens (ABTH), entidade sem fins lucrativos situada no Rio de Janeiro, que atende crianças e adolescentes em situação de risco. A diretora executiva da associação, Cláudia Cabral, esclarece que o conceito de família acolhedora não tem vínculo com adoção. "Se a criança precisa ser afastada da família dela, vai ser colocada numa outra família provisoriamente. E essa outra família vai acolher o problema como um todo, não só a criança, mas o que fez com que ela tivesse daquele jeito, ou seja, a família de origem também”. Cabral explica que, mesmo durante o afastamento, a orientação é que a criança mantenha contato com os pais, pelos menos uma vez a cada 15 dias.Para a diretora, as iniciativas desenvolvidas no Brasil têm uma característica que as diferenciam das colocadas em prática em outros países: o foco na reorganização das famílias de origem. “Essa é a base do plano nacional, acho que neste ponto a gente pode ser pioneiro”.Um estudo feito em 2003 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 20 mil crianças e adolescentes eram atendidos nos 589 abrigos beneficiados com recursos federais. O levantamento mostrou que 86,7% tinham família e 58,2% mantinham vínculos familiares.Para Cabral, o quadro seria diferente se as famílias passassem a receber apoio para se reorganizar e se fortalecer, superando problemas que levaram à separação. “Se fosse feito um bom trabalho com as famílias de origem, essas crianças poderiam voltar para casa”, ressalta.