Depois de 19 anos, acusados por morte de indigenista vão a julgamento em Cuiabá

23/10/2006 - 6h19

Wellton Máximo
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Depois de 19 anos, três acusados pelo assassinato do missionáriojesuíta Vicente Cañas Costa vão a julgamento nesta semana. O crimeocorreu em abril de 1987 em Juína (MT), a 737 quilômetros de Cuiabá, eexpôs as tensões fundiárias no oeste do estado, principalmente a lutado missionário pelas terras dos integrantes da etnia Enawenê-Nawê, umgrupo quase isolado do contato com não-índios e que ainda não tinhaárea demarcada ou homologada. Os fazendeiros pressionavam contra amedida.O júri popular dos três réus que ainda podem ir ajulgamento está marcado para terça-feira (24), às 8 horas (horáriolocal), no auditório da Justiça Federal de Cuiabá. De um lado, estarãoRonaldo Antônio Osmar, delegado de Juína na época do crime e acusado deintermediar a morte, e os pistoleiros José Vicente da Silva e MartinezAbadio da Silva. De outro, o Ministério Público Federal, que osdenunciou por homicídio duplamente qualificado, crime cuja pena variade 12 a 30 anos de prisão.Por causa da demora no processo,alguns acusados se livraram de ser julgados. Dois fazendeirosdenunciados como mandantes pelo Ministério Público, Pedro Chiquetti eCamilo Carlos Obici, morreram. O quarto mandante acusado, o fazendeiroAntonio Mascarenhas Junqueira, não pode mais ir ao tribunal porque temmais de 70 anos e a ação contra ele já prescreveu.O julgamentoatrai a atenção de entidades indigenistas e de defesa dos direitoshumanos, que prometem exigir justiça. Advogado do Conselho IndigenistaMissionário (Cimi) e assistente da acusação, Paulo Machado Guimarãesestima que o júri deva terminar na quarta(25) ou na quinta-feira.Adefesa alega falta de evidências e de testemunhas oculares, masGuimarães diz estar otimista. “A sociedade espera que o júri perceba adimensão das acusações”, ressalta. Por causa do isolamento do local docrime, o corpo do missionário só foi encontrado 40 dias depois damorte, com o abdômen perfurado e em avançado estado de decomposição.Apartir daí, uma sucessão de demoras contribuiu para adiar o julgamento.Somente o inquérito policial tramitou por seis anos. Além disso,segundo o Cimi, o medo de represálias fez a população de Juínacalar-se. O envolvimento dos acusados só foi revelado por índios dasterras vizinhas às dos Enawenê-Nawê, onde ocorreu o assassinato. “Afalta de autoria identificada retardou bastante as investigações”,explica Guimarães.Como o missionário ajudava na demarcação dareserva dos Enawenê-Nawê, próximo à divisa com Rondônia, o processopassou para a competência da Justiça Federal. “A disputa sobre o fórumque julgaria o caso foi longa, mas já estava sacramentada porque omissionário estava oficialmente a serviço da Funai [Fundação Nacionaldo Índio]”, esclarece Guimarães.Quando foi assassinado, VicenteCañas voltava de uma reunião na Funai em Brasília, certo de que ademarcação de uma reserva para os Enawenê-Nawê sairia logo. A morte sófoi descoberta porque a ausência de contatos por rádio chamou a atençãodos companheiros de missão. O jesuíta conviveu com os índios por maisde dez anos, tendo participado do primeiro contato da etnia com homensnão-índios, em 1974.Apesar da espera de quase 20 anos e do fatode acusados terem escapado da condenação, o advogado do Cimi salienta aimportância do júri. “O julgamento tem grande significado não só para aquestão indígena, mas para a cidadania”, avalia Guimarães. “Essa é umaoportunidade fundamental para não deixar a impunidade prevalecer noMato Grosso”.