Idéia de Constituinte é boa, mas politicamente inviável, avalia Ives Gandra

05/08/2006 - 1h02

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - A idéia de enviar ao Congresso uma proposta de emenda constitucional propondo a convocação de uma Assembléia Constituinte exclusiva para a votação da reforma política “é boa, mas politicamente inviável”, avalia o jurista Ives Gandra da Silva Martins. O debate veio à tona após uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e um grupo de juristas e ex-presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na quarta-feira (2), no Palácio do Planalto.Em entrevista à Agência Brasil, o jurista Ives Gandra disse que a convocação da Constituinte não é inconstitucional, como criticaram alguns especialistas, desde que ela seja precedida de uma consulta popular, seja por meio de um plebiscito ou de um referendo. Para ele, outro fator essencial é que a Assembléia Constituinte seja exclusiva de não-políticos. Leia a seguir os principais trechos:Agência Brasil - A proposta de Assembléia Constituinte para a reforma política é inconstitucional?Ives Gandra - A proposta em si seria inconstitucional se ela não fosse precedida de um plebiscito ou de um referendo. E por que razão? Porque um poder constituído não pode gerar um poder constituinte. Ele tem forças para gerar um poder constituinte derivado, mas não um poder constituinte originário. Mas como se poderia superar essa dificuldade? Através de uma emenda constitucional que seria submetida ao povo ou através de um plebiscito, se fosse apenas uma emenda para fazer consulta ao povo, ou através de um referendo, se a própria emenda já tivesse todos os elementos de como é que seria a Constituinte exclusiva - e no referendo o povo concordaria ou não. No momento em que houver a concordância, e se houver a concordância, é evidente que ela superaria o problema da inconstitucionalidade na medida que o poder soberano da constituição e o poder constituinte soberano é o povo. O povo é o detentor do poder. Todo poder emana do povo.ABr - Particularmente, o senhor acredita que a convocação da Constituinte é uma boa opção para a reforma política?Gandra - Eu entendo que seria. E aí vem o segundo pré-requisito. O segundo pré-requisito é que seria uma Constituinte exclusiva. Porque se for para uma Constituinte em que os mesmos que estão hoje no Congresso poderiam concorrer para a Constituinte a ser convocada e viessem a ser eleitos por opção política ou vinculados a partido, etc, tanto faria ter uma Constituinte ou fazer uma emenda constitucional, porque seriam os mesmos que iriam decidir em um ou outro processo. E se nós analisarmos, nos grandes temas políticos há projetos de emenda constitucional no Congresso Nacional que não são examinados como, por exemplo, a questão da fidelidade partidária que para mim parece essencial. Não é justo que um deputado que é eleito não só com seus votos mas com os votos dos outros elementos de seu partido possa sair do partido levando os votos que não são seus para um outro partido. Nada mais legítimo, portanto, que uma Constituinte fosse exclusiva de não-políticos. Porque daí professores de direito constitucional, jornalistas, representantes da sociedade concorreriam, formatariam uma Constituição num interesse muito mais da sociedade do que dos políticos e os políticos seriam obrigados a se condicionar. Daí tenho certeza de que esses grandes temas como voto distrital, fidelidade partidária, representação adequada da população no Congresso Nacional poderiam ser tocados.ABr - Então o senhor é favorável à convocação da Assembléia Constituinte?Gandra - Sou favorável à tese desde que haja esses dois pré-requisitos: plebiscito ou referendo a justificar e eliminar as inconstitucionalidades formais e uma Constituinte exclusiva para que essas mesmas pessoas que hoje impedem a reforma política através de emendas constitucionais não venham a pedir através de uma Constituinte exclusiva.ABr - Como funcionaria a Constituinte? Qual seria o quorum necessário?Gandra - Na proposta que eu fiz em 1985 e 1986, quando era presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, a idéia era ter uma representação de não-políticos e principalmente de professores universitários, de entendedores de política, cientistas políticos, professores de direito constitucional, etc, para representarem a Nação. Não precisaria de partidos políticos – todos poderiam concorrer. O número dos candidatos eleitos seria rigorosamente igual ao número de parlamentares que hoje representam os diversos estados. Então por exemplo, São Paulo tem 70 deputados e mais 3 senadores, então poderiam ser eleitos 73 constituintes. Desta maneira nós teríamos um processo muito semelhante àquele que a emenda 26 de 1986 aprovou para a convocação da Constituinte, que se instalou em 1987 e gerou a Constituição de 1988.ABr - Há outras opções à proposta de Constituinte? Como poderia ser aprovada ou realizada a reforma política?Gandra - A outra opção seria essa: aprovar um dos projetos de emenda constitucional que lá está. Principalmente nesses dois aspectos: voto distrital e fidelidade partidária. Mas ainda me parece que falta vontade política. E por faltar vontade política, parece-me que a única solução de quebrar este bloqueio de projetos de emenda constitucional seria uma Constituinte exclusiva com não-políticos. Agora, pessoalmente, considero a idéia inviável porque quem tem que aprovar uma emenda constitucional para convocar uma Assembléia Nacional Constituinte após referendo e plebiscito são os próprios deputados e senadores que não querem aprovar as reformas que aí estão. Então se eles não aprovam o menor, que é a emenda constitucional, por muito mais razão não deverão aprovar um pedido maior numa Assembléia Nacional Constituinte. Por isso estou convencido de que a idéia é boa, mas politicamente inviável.