Líder da comunidade brasileira acha que comboio demorou a sair do Vale do Bekaa

31/07/2006 - 20h46

Julio Cruz Neto
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Quando atendeu a reportagem da Agência Brasil por telefone, Mohamed Abdouni se disse desanimado. A casa tremia o dia todo, os cinco filhos não paravam de chorar e o pai estava sob os cuidados de enfermeiros. “Isso aqui está um inferno”, resumiu o brasileiro, que vive no Vale do Bekaa, uma das regiões do Líbano mais bombardeadas por Israel. Ele se prepara para sair do país amanhã (1º), num comboio que, segundo ele, deveria ter saído muito tempo antes.Ele ficou contrariado com o esquema de resgate do governo brasileiro. “Cadastramos muitos brasileiros [para o comboio] e no final dos trabalhos, vinha a informação de que não haveria ônibus por motivo de segurança”. Abdouni reconhece o “grande risco” de uma operação de resgate na região, mas não perdoa. “É trabalho dos diplomatas acertar todo e qualquer detalhe”.O brasileiro, que é um dos fundadores da Associação Brasileira de Residentes no Líbano e vereador em Sultan Yakoub – cidade onde quase todos falam português, segundo ele –, considera que o Itamaraty foi “um pouco lento” e complicou o trabalho dos consulados em Beirute e no Bekaa. “Muitos fugiram daqui por conta própria, pagando fortunas para taxistas, verdadeiros abutres aproveitadores”.O Itamaraty alega que o comboio não saiu antes porque não havia um número suficiente de pessoas inscritas. Mas Abdouni afirma que faltavam passageiros exatamente porque fez muita gente desistir. "Houve uma demora para decidir e muitos saíram. Eu tinha agilizado tudo, aí furou, ficou ruim para mim. Não tenho knowhow, e talvez nosso governo também não tenha".Agora o comboio está organizado, mas não significa que o sufoco acabou. Além de haver perigo até a saído do Líbano, é péssimo o estado de saúde do pai de Abdouni, um senhor de 79 anos. Ele tem diabetes crônico e anda em cadeira de rodas. Usa sonda para urinar, tem problema no intestino, pulmões, rins, próstata, bexiga, visão, audição e pressão, na descrição do filho, que completa: “Acho que o lado esquerdo [do corpo] não tem mais jeito. Infelizmente, minha mãe não quer que toque em nenhuma parte dele. Estou numa situação muito difícil”.No momento da entrevista, conta, um enfermeiro estava em sua casa, receitando remédios e ajudando a traçar uma estratégia para obtê-los, porque “não dá para se deslocar mais de cinco quilômetros, o risco é enorme”, conta Abdouni. “Nos hospitais, supermercados, comércio em geral, está faltando tudo. Muitos profissionais viajaram, enfim, está muito difícil, e inclusive caríssimo, comprar qualquer coisa”.Além do pai, que viajará para o Brasil acompanhado de enfermeira, segundo o Itamaraty, Abdouni vive com a mãe, de 76 anos, a mulher, a irmã e os filhos, de 12, 10, 8 e 6 anos, além de um bebê de 21 dias.