Pesquisador diz que transposição ameaça peixes das bacias receptoras

25/06/2006 - 8h53

Pedro Biondi*
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A transposição de águas do Rio São Francisco para as bacias do Nordeste setentrional terá grande impacto biológico e por isso não deveria ser realizada. A opinião é do professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Alexandre Godinho.

Ele prevê efeitos graves para as bacias que vão receber volume extra de água e diz que talvez existam técnicas mais propícias para fornecer água aos moradores do Nordeste. O estudioso comentou para a Agência Brasil a carta elaborada na semana passada pelos participantes do 1º Encontro de Pescadores e Pescadoras da Bacia do São Francisco.

O texto afirma que a situação dos estoques pesqueiros da região é precária e pede a suspensão do projeto do governo federal, bem como da construção de novas barragens, argumentando que eles poderiam acelerar o processo de degradação.

Godinho lembra que a bacia é explorada há séculos e enfrenta, entre outros problemas, poluição, represamentos, pesca intensiva e desmatamento, acrescentando que a insuficiência de chuvas ao longo de mais de uma década contribuiu para a escassez de pescado.

Com relação à transposição, ele diz que na Bacia do São Francisco os impactos devem ser relativamente pequenos, especialmente porque uma parte da água seria retirada da Represa de Itaparica. No trecho de retirada a montante (acima) do reservatório, prevê impacto um pouco maior.

Já nas bacias receptoras (Apodi-Mossoró, Jaguaribe, Paraíba, Piranhas-Açu), alerta Godinho, muitas espécies do São Francisco seriam introduzidas. "Aí o impacto pode ser muito expressivo", comenta. Ele aponta como ainda mais preocupante a idéia de uma transposição compensatória das bacias do Tocantins e do Paraná para a do São Francisco, que não está no projeto atual.

A introdução de espécies pode causar graves baixas entre populações de animais ou plantas de um lugar. Muitas vezes, os invasores competem com as espécies naturais dali, alimentam-se delas ou lhes transmitem doenças.

Alexandre Godinho diz que a baixa quantidade de peixes, relatada pelos pescadores, entre a Represa de Três Marias e a Represa de Sobradinho muito provavelmente se deve à falta de chuva durante a década de 90 e o início da de 2000.

"Se um rio não tem cheia, a tendência natural é a queda da produção pesqueira", afirma. O professor diz que a recuperação já está em curso com as chuvas dos últimos dois anos e recomenda, para acelerar o processo, a liberação parcial do volume de represas durante a cheia para a suplementação de águas. Lembra, porém, que a técnica esbarra nos interesses das empresas de energia e na instalação de pessoas nas várzeas, durante a seca.

O professor defende também uma melhor regulamentação na atividade pesqueira, com base no conhecimento científico: "A gente precisa saber quantos pescadores o rio suporta". Ele participa de um levantamento, conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que visa à definição de alvos e metas para conservação da biodiversidade da região.

*Colaboraram Cecília Jorge e Isabela Vieira