Impasses na negociação agrícola emperram OMC, afirmam especialistas

08/08/2005 - 7h05

Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – Pelo calendário da Organização Mundial do Comércio (OMC), até 31 de julho deveriam ter sido negociados parâmetros mínimos para os três pilares da área agrícola: apoio doméstico, subsídios à exportação e acesso a mercados. No entanto, muito pouco se avançou, conforme avaliam de especialistas, o atraso põe em risco as ambições da Rodada Doha, conhecida como rodada do desenvolvimento. Lançada na 4ª Reunião Ministerial da OMC, em Doha, capital do Catar em 2001, com o objetivo de estabelecer regras mais justas de comércio, a nova rodada de negociações não avançou na 5ª Reunião Ministerial, em 2003 em Cancun, no México e foi prorrogada até 2007. Nova e decisiva reunião ministerial acontece em dezembro deste ano, em Hong Kong.

"Até agora não conseguimos sequer definir a questão de acesso a mercados agrícolas. Ainda tem toda a parte de subsídios à exportação e não há praticamente nenhum avanço em subsídios domésticos. Estamos muito atrasados", avalia Marcos Jank, presidente do Instituto de estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Para fazer concessões, americanos e europeus exigem que o Brasil e os demais países emergentes avancem na liberalização de setores como bens industriais e serviços. Por seu lado, países como Brasil, Índia e Argentina esperam resultados mais ambiciosos em agricultura para avançar nas negociações de bens industriais (conhecida por NAMA).

Segundo Jank, os países que poderiam reabrir a porta das negociações, como a Europa, não o fazem. "Na área agrícola a Europa é o maior exportador mundial, mas não põe papel na mesa pois não consegue resolver internamente o que ela quer. Os Estados Unidos dizem que não falam de subsídios se a Europa não falar em acesso a mercados, e o Brasil diz que então não vai falar em bens industriais (NAMA) e aí um joga para o outro. Ninguém se mexe e acumula tudo nas reuniões ministeriais".

A parte a barganha de interesses entre nações ricas e pobres, questões internas de cada país dificultam as negociações no âmbito da OMC. Adhemar Mineiro, economista do Departamento Intersindical de Estudos Sócio Econômicos (Dieese) e consultor da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), lembra que a questão agrícola está no centro de problemas internos da UE, como o impasse na revisão do orçamento europeu. Até mesmo o Brasil tem temas pendentes, como mecanismos de proteção à agricultura familiar. "É uma discussão nova mas importante. Na resolução da reunião de nova Delhi, o G-20 assume essa preocupação com a agricultura familiar, que os avanços na liberalização não podem inviabilizar este tipo de produção", destaca.

O economista afirma que, a esta altura, o caminho para Hong Kong já deveria estar pavimentado. Na prática, já deveria ter sido negociada uma forma de viabilização da redução de tarifas em Agricultura até o final do ano. Também era preciso que já tivesse se chegado a um acordo sobre a fórmula de redução de tarifas na área de bens industriais, (mesmo sem entrar nos coeficientes da fórmula), e deveria estar definido o conjunto mínimo de propostas capaz de viabilizar um acordo de serviços. Além disso, Mineiro destaca que era necessário ter um desenho das hipóteses de tratamento especial e diferenciado em cada um destes setores – questão relevante para os países menores, do G90. "Não se conseguiu nada disso", conclui.

"Se o nível de ambição até dezembro fosse simplesmente definir bandas na área de agricultura, sistematizar impasses de fórmulas na área de bens industriais e começar a discutir parâmetros na área de serviços e alguns critérios para a aplicação de tratamento especial e diferenciado, teríamos caminhado. Mas a agenda é muito mais ambiciosa", alerta o consultor da Rebrip. Ele acredita que o Plano B, caso as negociações não avancem no ritmo necessário, será "destensionar" o nível de ambição ou os prazos da Rodada – decisão que provavelmente seria tomada na próxima Reunião do Conselho Geral da OMC, em outubro, ou nas mini-ministeriais que ocorrerão a partir de setembro.