Lana Cristina
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O governo começou a negociar, em março, a redução do preço dos medicamentos anti-retrovirais fabricados por três laboratórios estrangeiros, o Abbott, Gilead Science Incorporation e Merck Sharp & Dohme. Caso contrário, o Brasil quebraria a patente dos medicamentos para ter como produzi-los nacionalmente, a exemplo do que ocorreu com o Kaletra, produzido pelo laboratório americano Abbott. O Brasil compra do Merck o medicamento Efavirenz, e do Gilead, o Tenofovir. As negociações com estes dois laboratórios estão em andamento.
No dia do anúncio da portaria que instituiu a quebra de patentes (24/6), o ministro da Saúde, Humberto Costa, disse que a medida tornou-se necessária para garantir a sustentabilidade do programa de combate à Aids. Os três anti-retrovirais objeto das negociações internacionais respondem por 66% do orçamento destinado a compra dos medicamentos que fazem parte do coquetel anti-Aids.
O Kaletra só entra internacionalmente em domínio público em 2012. Mas não seria possível esperar até esta data para que o país pudesse produzir o remédio em Farmanguinhos, o laboratório público localizado no Rio de Janeiro, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em 2005, prevê-se um gasto total de R$ 945 milhões na compra de anti-retrovirais. Há uma estimativa de aumento no número de pessoas atendidas pelo Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis DST/Aids. Segundo dados do ministério da Saúde, o número que, neste ano, será de 170 mil pessoas, passará para 215 mil até 2008. Isso representará a necessidade de aumentar o orçamento para compra de remédios anti-Aids, que deverá alcançar R$1,25 bilhão.
O Abbott tem até esta semana para contestar a decisão brasileira de adotar o licenciamento compulsório (quebra de patente) do Kaletra (formado por dois princípios ativos, o lopinavir e ritonavir). Costa ressaltou que o Brasil está respaldado na legislação internacional para quebrar a patente – que é o direito de propriedade sobre marcas e invenções científicas. Segundo o ministro, o acordo de propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC), chamado de Acordo TRIPS, permite que qualquer país faça uso da patente de um medicamento sem a autorização do dono, em circunstâncias urgentes e de interesse público.
Além disso, a Declaração de Doha, de 2001, reconhece que o acordo internacional de patentes não pode se sobrepor aos interesses de saúde pública. Humberto Costa enfatizou que a quebra de patente pode ser usada sempre que for para distribuição gratuita de medicamento, portanto, o Brasil não vai exportar o genérico do Kaletra e a produção do Farmanguinhos não será vendida comercialmente. Toda a produção será destinada a atender o Programa DST/Aids, que distribui o coquetel anti-Aids de graça.
"É a primeira vez que se quebra a patente de um medicamento no Brasil. Não estamos cometendo quebra de contrato de acordo internacional", afirmou Costa. O ministro disse ainda que o contrato com o Abott, para a compra do Kaletra, continua valendo até maio de 2006. "Não quebramos o contrato, continuaremos pagando e o laboratório não fica proibido de comercializar o Kaletra no Brasil. O Abott pode até mesmo participar de licitações, ganhará se o preço for compatível", disse o ministro.
Atualmente, o Kaletra é adquirido a US$ 1,17 a unidade, o que representa R$ 2,74 a preço de hoje. O Farmanguinhos vai produzir o genérico do Kaletra a US$ 0,68, o que na conversão para a moeda brasileira daria R$ 1,59 a preço de hoje. Dos 170 mil brasileiros atendidos pela distribuição de medicamentos do Programa DST/Aids, 23.400 tomam o Kaletra. O anti-retroviral representa 30% do orçamento da compra de medicamentos para tratamento da Aids. Os gastos com o Kaletra neste ano vão ser de R$ 257 milhões. O medicamento apresenta eficácia em pacientes que não respondem bem a outros anti-retrovirais, remédios do coquetel anti-Aids responsáveis por diminuir a reprodução do vírus HIV.