Irene Lôbo
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Os chamados índios "cocaleiros", que tradicionalmente eram plantadores de coca antes de a atividade se tornar ilegal, são hoje uma parcela da população boliviana que apóia a renúncia do presidente Carlos Mesa. Para o doutor em Ciências Políticas da Universidade de São Paulo (USP), Günther Rudrit, o grupo quer a nacionalização do petróleo como forma de reparar as perdas obtidas com a proibição do plantio de coca.
Ele conta que no final da década de 80 e nos anos 90 houve uma pressão muito forte do governo americano para erradicar a plantação de coca nos Andes, tendo sido a Bolívia um dos países que mais combateu a cultura de coca, o que prejudicou muito a população indígena.
"Eles se viram com o passar do tempo sem a possibilidade de plantar coca, que era parte da cultura boliviana, sem uma renda razoável para sustentar a família porque as culturas que foram oferecidas no lugar da coca não geram a mesma renda", afirma.
Além disso, Rudrit afirma que o grupo não se sente politicamente representado e vê na nacionalização do petróleo uma forma do Estado boliviano retribuir as perdas que tiveram. "Se você pegar principalmente as fotos dos presidentes bolivianos nos últimos 20 anos você não encontra nenhum de origem indígena. Os traços físicos de todos são ocidentais, descendentes de espanhóis e ocidentalizados, portanto esses grupos indígenas não se sentem representados pela liderança política que vem dominando a política boliviana há muitas décadas. É um caldeirão de problemas que vêm se acumulando e entraram em erupção agora", diz.
Sobre as chances do novo pedido de renúncia de Carlos Mesa ser mais uma manobra política para "acalmar os ânimos", como defendem muitos especialistas, o professor diz que é difícil prever qual será o futuro da Bolívia.
"É a mesma coisa que tentar perguntar quais eram as reais intenções de Jânio Quadros quando ele renunciou. No íntimo é uma decisão do presidente. A situação dele se deteriorou drasticamente. Ele está sem sustentação política no Congresso e há uma divisão da sociedade boliviana. Isso levou a protestos que paralisam La Paz e ao mesmo tempo o processo de tentativa de autonomia seria o primeiro passo de independência das regiões da planície e as reais produtoras de gás e petróleo da Bolívia".