Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Brasília –Vice-presidente do sistema Sicredi (Sistema de Crédito Cooperativo), responsável por 40% do movimento das cooperativas no Brasil, o gaúcho Enio Meinen diz que o cooperativismo de crédito no Brasil vive o melhor momento de sua história. "Em termos de regulação, temos certamente a melhor do mundo. Todo mês recebemos pelo menos duas delegações estrangeiras que vêm conhecer nossa experiência", diz ele, que é também autor de nove livros sobre o cooperativismo de crédito.
"Nos últimos anos, o Banco Central está ouvindo mais a sociedade", explica ele. Meinen elogia pessoalmente o diretor de Normas e Organização do Sistema Financeiro do BC, Sérgio Darcy, que conduz o processo de reorganização das regras sobre o setor desde 1992.
Anos depois da reforma bancária de 1964, Meinen explica que o cooperativismo brasileiro de crédito quase desapareceu. "Restaram cerca de 20 no Brasil todo. No Rio Grande do Sul, eram nove. Nos anos 80, essas nove resolveram se reorganizar e aí surgiu o embrião do que resultou no Sicredi", conta ele. A mudança principal na organização foi a "verticalização" da estrutura, ou seja, a associação de várias cooperativas em uma central – e posteriormente, em um banco. "Isso possibilitou cortar custos e viabilizar mais serviços para os associados".
Hoje, o sistema Sicredi é responsável por um dos dois bancos cooperativos atualmente em operação no país. "Até 1992, nós sobrevivemos milagrosamente. Não havia estímulo normativo nenhum do Banco Central. Nós nem podíamos remunerar depósito, para se ter uma idéia". Em 1992, a resolução 1914 do Banco Central reconheceu as centrais cooperativas e autorizou o depósito remunerado, além da captação dos recursos de não associados, explica Meinen.
Meinen lembra ainda que, em parte, a quase extinção do cooperativismo de crédito no Brasil aconteceu porque o Estado passou a incentivar os bancos oficiais, como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. "Passou a ser impossível às cooperativas realizar diversos serviços para o público". Antes da reforma bancária, conta Meinen, qualquer cooperativa era de livre associação, por exemplo.
Além disso, para os bancos oficiais, foram repassadas, por exemplo, as linhas de crédito agrícola – grande parte das cooperativas era de produtores rurais até essa época. Até 1964, o crédito rural era uma das principais fontes de sustento para as cooperativas. "Havia um despreparo dos gestores das cooperativas diante do novo cenário. Os bancos privados, por sua vez, souberam buscar sua posição de mercado, qualificar seus dirigentes".
Meinen diz não saber exatamente por que as restrições às cooperativas foram criadas nos anos 60. "Algumas quebravam, mas não era nada grave. Acontece que o presidente do Banco Central na época tinha certa ojeriza. Mandou arrochar a fiscalização em cima das cooperativas, dizia que elas representavam risco sistêmico. Acho que ele estava mal assessorado. Não tem outra explicação. Na Europa, o sistema cooperativo nunca apresentou problemas".
De 1992 para cá, Meinen avalia que o processo paulatino de "aprimoramento normativo" do setor foi "o que podia ter acontecido de mais positivo". "Tudo foi feito a seu devido tempo. Se as comportas tivessem sido abertas todas de uma vez, com certeza não teríamos mais cooperativismo de crédito no Brasil hoje".
Prova dos acertos, segundo Meinen, são os resultados do setor. "Nos últimos dez anos, temos crescido a uma média de 35% ao ano. No Sicredi, estamos até encontrando dificuldade para capacitar gestores, manter contato direto com o quadro social. Temos que fazer um esforço tremendo para acompanhar esse ritmo".
O agrônomo Reginaldo Magalhães, da Universidade de São Paulo, estudioso das cooperativas de crédito, concorda com a necessidade de planejamento criterioso, mas lembra que, dada a velocidade de expansão do sistema, o Banco Central precisaria dispor de mais quadros para fazer o acompanhamento direto das unidades. Ele destaca que essa necessidade se amplia com a inclusão do cooperativismo entre as políticas públicas de microcrédito, voltadas à população mais pobre. "Ainda há pouco conhecimento sobre as reais necessidades financeiras dessa população", explica ele.
Para Magalhães, a concessão de crédito à população de mais baixa renda e escolaridade exige assistência do poder público. Como boa iniciativa nesse sentido, ele lembra que, recentemente, o Ministério do Desenvolvimento Agrário contratou uma rede de consultores para auxiliar o contato das cooperativas de agricultores familiares com o Banco Central.