Confira a íntegra do pronunciamento do presidente Lula sobre a morte de João Paulo II

02/04/2005 - 22h11

Brasília - Confira a seguir a íntegra do pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imprensa por ocasião da morte do papa João Paulo II, neste sábado, em Roma.

"Foi com muita tristeza e dor que Marisa e eu recebemos a notícia da morte do papa João Paulo II. Um papa que foi operário na sua juventude, um papa que dedicou, antes de ser papa, parte da sua vida lutando contra adversidades, como o nazismo. Um papa que teve um comportamento extraordinário na luta pela redemocratização do Leste Europeu, um papa que dedicou toda a sua passagem pela Igreja na luta pela justiça social e no combate à pobreza.

Eu penso que a humanidade perde hoje não um papa, perde mais que um papa, perde o símbolo da paz, porque acho que ninguém no século passado teve tanta dedicação, viajou tanto o mundo e pregou tanto a paz como o papa João Paulo II.

Todos vocês sabem que eu tenho uma dívida de gratidão com o papa na vinda dele em 1980 no Brasil, porque nós, metalúrgicos, estávamos cassados e teve um encontro com o papa no Morumbi, e ele fez questão de receber parte da direção que estava cassada. Não foi uma tarefa fácil, porque, naquele tempo, os militares que tomavam conta da segurança do papa não queriam que nós entrássemos.

Marisa e eu ficamos até duas e pouco da manhã embaixo de chuva para poder ser recebidos pelo papa. Depois, ele me recebeu em 1989 e, todas as vezes que um bispo brasileiro ia a Roma, ele falava da questão da justiça social, falava da necessidade da reforma agrária pacífica, falava da necessidade de acabar com a fome e com a miséria e, por isso, eu penso que o mundo perde um grande homem, perde um grande símbolo.

Eu só posso pedir a Deus que encha o nosso planeta de homens com a mesma coragem que o papa João Paulo II, com a mesma dedicação e a mesma perseverança dele de lutar e acreditar em coisas boas.

Morre o papa, mas fica acesa na cabeça de cada ser humano a sua mensagem de esperança, de certeza que, com muita luta, com muita fé, nós poderemos construir um mundo mais justo, mais solidário e mais humano. Eu certamente irei a Roma no enterro do papa, vamos esperar apenas que o Vaticano marque a data do enterro. E eu penso que é o mínimo que um operário pode fazer por um outro operário, é prestar essa homenagem ao homem que simbolizou tanto a minha época."

Resposta à pergunta feita pela Folha de São Paulo:

"Eu acredito que muitas das posições que o Papa teve e que muitas vezes divergiam daquilo que eu pensava, era uma posição de uma grande parte da Igreja Católica, e nós só temos que respeitar essa convivência na diversidade. Eu não posso medir um homem pelas coisas que têm divergência com outro segmento da sociedade. Eu tenho que medir a passagem do papa pela Igreja e pela sua vida política, pelo que ele deixou de mensagens positivas à humanidade e, certamente, elas foram infinitamente em maiores quantidades, certamente elas marcaram muito mais a posição da humanidade.

É importante ressaltar que o papa não fazia distinção dos países que visitava. Ele foi capaz de ir visitar a pessoa que tentou matá-lo. Ele foi capaz de ter o gesto de grandeza de perdoar aquela pessoa. E vocês sabem que o perdão só é dado por quem tem uma dimensão humana maior do que a média da humanidade.

Então, um homem dessa grandeza não pode ser medido depois da sua morte por algumas diferenças. Tem que ser medido efetivamente pelos grandes gestos que ele teve em prol da justiça social e da paz que ele deixou no mundo. É assim que eu quero guardar a imagem do papa João Paulo II.

Eu tenho dito que não apenas eu, Marisa e acho que milhões e milhões de mulheres são contra o aborto. Ninguém faz aborto porque quer fazer o aborto. O que nós defendemos é que isso seja tratado como uma questão de saúde pública para atender milhões de pessoas pobres que precisam às vezes de um atendimento. É apenas isso.

O mundo moderno exige que as pessoas se cuidem. Inclusive, num momento em que a humanidade tem uma doença como a Aids, é muito importante que todas as pessoas se cuidem para evitar serem vítimas de uma doença que ainda não tem cura."

Resposta à pergunta da Rádio CBN:

"Você está perguntando um desejo meu? Eu gostaria que ele (o novo papa) fosse brasileiro. Eu sinceramente gostaria que fosse brasileiro. E eu tenho tantos amigos que são cardeais aqui no Brasil que eu ficaria muito feliz se um deles fosse escolhido.

Agora, é um problema da Igreja Católica. Obviamente que, se fosse da América Latina, estaria muito mais próximo de nós, conheceria muito mais os nossos problemas, mas eu espero que a Igreja escolha um papa que tenha uma dimensão social muito grande, um papa que esteja preocupado em combater a miséria e as injustiças do mundo. Se isso acontecer, eu já estarei feliz, porque certamente terei um aliado na luta contra a fome.

Seria para mim importante do ponto vista político, do ponto de vista geográfico, seria melhor ainda se fosse brasileiro. Vamos torcer."

Resposta à pergunta da TV Nacional:

"Quando, em setembro do ano passado, fizemos um encontro na ONU com 60 chefes de Estado para discutir a questão da fome, o papa João Paulo II mandou a segunda pessoa mais importante no Vaticano para participar do evento. Há uma tradição na Igreja Católica de estar ligada a um combate às injustiças e à fome, à defesa dos Direitos Humanos. É uma tradição independentemente se a pessoa é mais conservadora ou mais progressista. Há uma tradição da Igreja Católica de estar do lado dos oprimidos, do povo mais pobre do mundo.

E eu não tenho dúvida nenhuma que, qualquer pessoa que os cardeais escolherem para ser o novo papa, ele estará ligado àqueles que vão lutar e que vão combater a pobreza, porque é uma exigência hoje cristã, é uma exigência hoje de quem tem tradição humanista. Nós não podemos ficar quietos diante do sofrimento das pessoas. E eu acho que a Igreja Católica, que tem tradição histórica, sabe disso e, portanto, eu não tenho dúvida que o novo papa estará ao lado do povo pobre do planeta lutando para melhorar a sua qualidade de vida."