Brasília, 22/2/2005 (Agência Brasil - ABr) - O líder do PT na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (SP), disse em referência à votação da reforma política que "se nós ouvirmos todos os partidos, a imprensa e a própria sociedade, as questões vão ser mudadas imediatamente". Em entrevista ao programa Revista Brasil, da Rádio Nacional AM, ele lembrou que a reforma política é um dos itens prioritários da pauta de votação na Casa, ao lado da Lei de Biossegurança e da reforma sindical.
Sobre a escolha de um novo líder na Câmara, o deputado afirmou: "É uma honra e um orgulho liderar a bancada do PT, pois é a maior bancada do Congresso e a maior bancada da história do partido, mas nós temos a linha do rodízio democrático e temos que dar chance a quem ainda não foi líder."
E sobre as características do líder, lembrou a capacidade de não dar apenas a sua opinião, mas de saber mediar o pensamento geral da bancada, o bom trânsito com as demais bancadas e a capacidade de articular e negociar.
Confira os principais trechos da entrevista:
Rádio Nacional - Quais são as prioridades da liderança do Partido dos Trabalhadores na Câmara Federal nessa atual fase?
Chinaglia - Primeiro, é bom registrar que nós vamos fazer a mudança na liderança. Nós temos uma tradição desde sempre na bancada do PT. A cada ano nós elegemos um novo líder. Portanto, nós vamos fazer um seminário para ver as nossas prioridades. De qualquer maneira, alguns temas já estão dados, seja por iniciativa do Executivo ou até mesmo por já estarem em processo de votação no Congresso Nacional. Exemplo disso é a chamada Lei de Biosegurança, que de um lado trata das pesquisas referentes às células troncos e da mesma maneira trata da estruturação que passará a vigorar, como o debate sobre os termogênicos (queimadores de gordura).
Outro tema a ser tratado este ano será a reforma sindical. É uma estrutura antiga, que foi concebida a partir da Carta de Lavoro – estrutura fascista de Mussolini –, e é uma luta particularmente da Central Única dos Trabalhadores, desde a fundação em 83, para que haja uma mudança na estrutura sindical.
E há também a chamada reforma política. Se nós ouvirmos todos os partidos, praticamente todos os deputados, a imprensa e a própria sociedade, as questões vão ser mudadas imediatamente. E, pelos fatos ocorridos nas últimas semanas, a questão da fidelidade partidária, por exemplo. É muito comum, e está ficando pior, que um deputado mude de legenda várias vezes.
Também há a questão do chamado financiamento público de campanha, que é duro para qualquer um aceitar, porque falam: vamos pegar dinheiro público que pode ir para a saúde, a educação, a segurança pública, e colocar na política. À primeira vista isso não faz sentido e é um tema delicado, mas o fato é que financiamento de campanha é um foco permanente também de corrupção, porque alguém que tem dinheiro financia a campanha de algum prefeito, de algum governador e de algum deputado e depois vai buscar benesses da máquina pública. Ou seja, ele dá dinheiro agora para receber muito mais ou mais mandatos financiados. Isso acaba ficando muito caro para a sociedade.
Essa história, por exemplo, de showmício, é uma estrutura cara. Vai lá algum cantor ou cantora, ou uma apresentação qualquer, e depois o candidato fala alguns minutos e, se não tomar cuidado, é vaiado porque as pessoas foram lá para aquele show e não para o comício. São questões, essas três pelo menos, que seguramente são temas relevantes.
Rádio Nacional - Depois dos últimos resultados na Câmara Federal, a questão da reforma ganhou força?
Chinaglia - Ganhou, ganhou força também por isso. Mas todas as vezes em que há eleições como as que ocorreram em outubro, os deputados voltam muito impressionados com o que eles observam, porque uma lógica precisa ser rompida.
As campanhas são muito caras e nós ficamos imaginando de onde vem esse dinheiro e como essa pessoa que gasta tanto em campanha poderá cobrir os custos com o salário, depois. É uma lógica porque quem tem muito dinheiro na campanha compra voto. As pessoas que acabam votando recebem uma ajuda financeira qualquer, seja na forma de cesta básica ou ajuda para fazer a casa e às vezes, eu não quero falar especificamente, mas há toda uma cadeia na qual o que fala não é a consciência, mas o dinheiro.
Eu acho que nós temos que proibir propagandas, que são caríssimas. Acho que é necessário adotar uma atitude de fato radical e firme, é claro que negociada de forma democrática, para nós baratearmos o custo da campanha. Porque eu quero votar em quem eu conheço, em quem apresenta um programa, em quem eu posso avaliar – e não em quem aparece, digamos, como se fosse uma venda de sabonetes, uma propaganda de televisão qualquer.
Rádio Nacional - A reforma também discutirá a questão do horário gratuito na rádio e na televisão?
Chinaglia - Talvez. Eu sou favorável ao horário gratuito na rádio e televisão, porque é uma das formas de financiamento público. Então, se nós não democratizarmos, temos que dar condições iguais para cada candidato. Quem ia ser deputado ou senador não são as pessoas que vendem seus salários, mas aquelas que ou já são ricas ou são financiadas por pessoas ricas, ou por empresas, enfim, qualquer estrutura de poder preexistente.
Eu acho que o horário na televisão é uma conquista da cidadania. Algumas pessoas acham um horror o horário eleitoral gratuito. Mas normalmente as pessoas cometem um horror maior ao votarem num Cacareco [rinoceronte lançado candidato e eleito há algumas décadas] qualquer sem nenhuma consciência política ou ideológica.
Rádio Nacional - Qual seria o modelo ideal, em relação à fidelidade partidária, contemplado pela reforma política?
Chinaglia - É bom observar que cada deputado ou cada senador tem uma reforma na cabeça. Então não há nenhuma proposta em que haja consenso. Uma comissão especial na Câmara trabalhou esse tema e chegou a uma proposta. Digamos que foi a possível entre aqueles parlamentares que compunham aquela comissão. Muitas vezes a proposta saída dessa comissão especial tem o apoio do deputado que representava um partido, mas não o do partido. Isso é muito comentado, é o chamado voto em lista, que é uma pré-condição para o chamado fundo de financiamento público.
Na lista, os partidos definiriam os nomes e as seqüências desses nomes e, quando alguém fosse votar, votaria no partido e ao votar no partido, no programa, apenas o primeiro nome da lista seria eleito. Se fossem eleitos três, os três primeiros e assim sucessivamente. No caso do PT, já é tradição: várias chapas se apresentam e no final a direção é composta proporcionalmente entre aquelas chapas. Se tiver que haver voto em lista, teremos que alterar e obrigar os partidos admitirem a inscrição de mais de uma chapa. Caso contrário, pode acontecer, por exemplo, de um grande banqueiro "comprar" a direção partidária para ser o primeiro da lista. Isso pode vir a ser também negócio e a reforma tem que combater os negócios na política em todos os níveis.
Na proposta ideal nós buscamos ser referências internacionais. O voto em lista existe em outros países, mas seria um grande problema no Congresso Nacional. Tudo indica que nós vamos ter que ir fazendo a reforma política paulatinamente. Se nós quisermos fazer uma reforma profunda, não passa, porque os deputados e senadores se sentem ameaçados. O ideal será fazer a reforma possível e a sociedade e a imprensa acompanharem e interferirem nesse debate.
Rádio Nacional - O senhor acredita que os congressistas querem realizar essa reforma política, que há anos tramita no Congresso Nacional?
Chinaglia - É difícil responder, porque é apenas uma impressão. Hoje, dependendo da proposta que vier, ela fica imediatamente paralisada, porque a movimentação começa com os que são hoje base de apoio do governo, que são contra a reforma. Vou contar um episódio: como líder da bancada do PT, assinei um requerimento de urgência para a tramitação mais rápida da proposta que saiu daquela comissão especial. Os parlamentares da base aliada entraram em obstrução, criou-se uma crise. Pela primeira vez retirei minha assinatura de um documento, porque se eu não retirasse a Câmara ficaria parada e projetos importantes, que estavam tramitando, paralisados. Ou seja, não é um tema fácil. A bancada do PT é favorável. Há partidos de oposição que são favoráveis e há partidos da base aliada que são favoráveis. Nós vamos ter que encontrar alguns pontos de contexto, ou seja, eu não tenho a capacidade de responder a essa pergunta diretamente.
Rádio Nacional - A reforma sindical poderá chegar para acabar com conquistas, a exemplo do décimo-terceiro salário, do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), das férias. O senhor acredita realmente que haverá um debate amplo que poderá gerar essa reforma sindical?
Chinaglia - Entre nós, parlamentares, e também no governo, a reforma trabalhista a que se referem esses temas não acontecerá. Creio que é um tema que geraria insegurança, até porque precisamos ter a certeza de que o dia em que isso for debatido para mudar, que seja para melhor e não para tirar os poucos direitos que o trabalhador tem.
A reforma sindical diz respeito a temas como a contribuição sindical, a unicidade sindical, ou seja, essa obrigatoriedade hoje legal, de que no mesmo município só pode haver um sindicato para representar uma categoria. Por exemplo, em São Paulo, há categorias muito grandes, com uma direção que está no poder há 10 e até 30 ou mais anos. O número de sindicalizados é pequeno e eles não fazem nenhum trabalho real de lutas pela categoria, mas mantêm o controle da máquina. Por que? Porque eles fazem churrasco, jantar, bingo e colônia de férias com dinheiro do Imposto Sindical. O que eles não fazem é lutar pelos trabalhadores e impedem que uma outra representação surja. Esses temas, da honestidade, da liberdade e autonomia sindical, da contribuição sindical, são temas da estrutura. E como eu disse anteriormente, essa estrutura foi copiada do modelo fascista vigente na Itália.
Rádio Nacional - O senhor acha que a reforma sindical passa no Congresso?
Chinaglia - Vai haver pressão, já existe essa pressão. Há uma grande parcela do movimento sindical que é contra as mudanças, mas há também uma grande parcela do movimento sindical que é a favor. Agora, no Congresso nada é consenso, rigorosamente nada, portanto vai ser uma disputa política. O que nós buscamos sempre é, dentro das possibilidades, manter o princípio, o objetivo central, e fazermos negociações. Algumas diferenças graves se manterão, irão a voto. Mas na minha opinião haverá avanço e modernização, ainda que parcialmente, na estrutura que é muito viciada. Há os que querem democratizar e os que querem manter o status quo.
Em sentido geral, a bancada do PT sempre busca se orientar para aquilo que facilita, para aquilo que democratiza, para aquilo que faz um pouco mais de justiça, tanto na representação como na participação popular e também na distribuição de renda. De maneira bem genérica, eu acho que essas questões sempre são colocadas.
Rádio Nacional - O desejo da bancada do PT no Congresso Nacional, por conta dessas reformas citadas pelo senhor, é de encontrar aliados, como o presidente da Câmara, que não é do partido mas que integra a base governista?
Chinaglia - Sempre há um trabalho de convencimento no Congresso e na Câmara, por ser um poder mais democrático. Muitas vezes, isso leva as pessoas da sociedade a imaginarem que muitos deputados não trabalham. Talvez exista isso mesmo, mas a demora é porque os temas são exaustivamente debatidos, há conflito de interesses, divergências de opinião e dos diferentes objetivos. Por isso é democrático.
Nós trabalharemos sempre no convencimento. Algumas bancadas vão estar de acordo com determinados temas e no tema seguinte vão estar em desacordo, e assim sucessivamente. É isso que provoca a riqueza e a demora nos debates. O convencimento é uma condição. Se não houver argumentos, capacidade e humildade para negociar, só no chamado rolo compressor não passa.
Rádio Nacional - O poder de persuasão da bancada do PT diminuiu ou mantém-se estável com o resultado da eleição na Câmara dos Deputados?
Chinaglia - O fato é que foi uma derrota histórica, inclusive do famigerado senso comum de que governo não perde eleição para presidente da Câmara. Nós estamos na muda e se diz que na muda "pássaro não pia". Eu creio que a bancada do PT tem bons quadros e bons deputados e deputadas. Eu não quero comentar, porque sou parte e sou líder, mas acho que foi uma sucessão de erros clamorosos. Nós fizemos duas reuniões de avaliações e as feridas são muito profundas. No futuro teremos mais clareza sobre que ocorreu.
Rádio Nacional - Quem de fato foi o grande prejudicado? Quem foi o grande perdedor nesta questão da disputa na Câmara?
Chinaglia - A grande responsabilidade é da bancada e do PT, porque fomos nós que escolhemos. Portanto, foi a bancada que perdeu em primeiro lugar. Mas a bancada não é um oásis, pois cada deputado ou deputada se relaciona politicamente com o PT e também com o governo. Quem perdeu, em primeiro lugar, foi a bancada; o PT, em segundo lugar; e o Governo, em terceiro lugar, do ponto de vista da condução do processo. Eu colocaria que a perda foi 40% para a bancada e de 30% para cada parcela dos outros atores. Quando eu falo isso, me refiro à alteração política. Não quero com isso fazer o choro do derrotado para atribuir uma gestão ruim ao atual presidente Severino Cavalcanti. Há algumas posições em que nós discordamos, não como presidente, mas como deputado. Como presidente, ele está bastante alegre; ele está demonstrando isso e está dando algumas declarações bombásticas. Mas eu creio que paulatinamente ele vai refletir e vai jogar o bastão de presidente na Casa. A eleição é constitucional, ou seja, é um poder autônomo, independente e harmônico com os outros poderes.
Rádio Nacional - Qual é o pensamento da bancada do Partido dos Trabalhadores para aqueles que não seguiram a sua cartilha nesta eleição da Câmara dos Deputados?
Chinaglia - O PT tem a tradição do debate democrático e quando toma uma decisão, todos têm que cumprir. Na democracia quem ganha é a maioria e não a minoria. Portanto, estas questões são tratadas no nível da direção partidária.
Rádio Nacional - Qual é o perfil do líder que será escolhido para estar à frente da bancada na Câmara Federal?
Chinaglia - Algumas características são fundamentais em uma liderança. Aquilo que é mais público, que é a empatia e o debate, que é a capacidade de não dar apenas a sua opinião, mas de saber mediar o pensamento geral da bancada. Isto é fundamental, porque se o líder não fala coisa com coisa, ele gera grande desconforto para a bancada. Uma outra característica é que o líder deve ter um bom trânsito com as demais bancadas. A terceira, nós temos que articular, porque uma boa parte do nosso trabalho é feita de conversas reservadas, da palavra empenhada e da negociação.
O líder precisa ter essa capacidade de articulação. E muita paciência, porque os demais deputados muitas vezes têm as suas próprias demandas. Isso gera um conflito permanente, porque muitas vezes o líder está em uma grande correria e tem que dar atenção a um parlamentar que vem com algum assunto, para ele fundamental. Nenhum líder preenche todos os quesitos em 100%. E, finalmente, nenhum líder deve e pode trabalhar sozinho. Ele precisa da bancada para pedir auxílio em uma hora de dificuldade ou pede auxílio permanente nas reuniões semanais, para tomar decisões coletivas. Isto, na bancada do PT, é muito forte.
Rádio Nacional - Esta questão se define hoje?
Chinaglia - Se depender de mim, sim. Não quero prorrogar o meu mandato.
Rádio Nacional - Por que? O mandato não está bom?
Chinaglia - É uma honra e um orgulho liderar a bancada do PT, pois é a maior bancada do Congresso e a maior bancada da história do partido, mas nós temos a linha do rodízio democrático e temos que dar chance a quem ainda não foi líder. Portanto, para mim será um prazer dar espaço para que outro companheiro nos lidere.