Água é direito humano e não produto, defendem participantes

26/01/2005 - 6h21

André Deak
Enviado especial

Porto Alegre – A água é um direito humano, não um produto a ser comercializado. Essa é a idéia que vem sendo difundida durante os últimos Fóruns Sociais Mundiais e que, nesta edição de 2005, deverá tomar a forma de ações concretas.

Em 2001, 29 países não possuíam água doce para toda a sua população. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2025 serão 48 os países sem água em quantidade suficiente para toda a população. Para piorar, enquanto em Nova Iorque (EUA) o consumo chega a dois mil litros por habitante ao dia, a média do continente africano é de 15 litros por pessoa.

Esse debate interessa especialmente ao Brasil. Estatísticas mostram que 97% da água existente na terra é salgada e que dos 3% restantes, apenas 0,7% é potável. Em território brasileiro encontra-se 8% da água doce conhecida no mundo. Hoje, mais de dois bilhões de pessoas não têm condições de consumir água potável. De acordo com artigo do professor goiano Horieste Gomes - "O dilema da água potável no Brasil" - publicado em julho de 2004, "em cada 100 famílias, 58 não têm água tratada".

Mesmo a chamada Agenda 21, um plano de ação que trata de impactos do homem na natureza desenvolvido pela ONU e assinado por 178 governos em 1992, propõe um fornecimento de 40 litros por dia para cada pessoa. "Entretanto, o consumo diário extrapola em muito o volume proposto", afirma Gomes. "Só o banho do brasileiro, que deveria ser em torno de 10 minutos, dura em média de 20 a 30 minutos (...). O desperdício está calcado em nossa formação cultural, calcado na errônea visão da infinitude do recurso água", afirma.

Com a quantidade diminuindo no mundo todo e o desperdício aumentando, alguns governos decidiram entregar a gestão e distribuição da água em suas regiões para a iniciativa privada. O advogado ambientalista Antônio Carlos Soler, do Centro de Estudos Ambientais, organização não-governamental que trabalha com o tema há mais de 20 anos, diz que, "por uma questão conceitual, não é possível aceitar a privatização, sob qualquer justificativa". "A visão que predomina é que ela é um recurso econômico – o que leva um enorme número de pessoas a ficar afastado do acesso à água. Não porque não existe, mas porque justamente existem situações criadas pela visão econômica que levam à exclusão", explica. E defende: "o uso deve ser solidário e sustentável".

O representante da Internacional dos Serviços Públicos (ISP), Jocélio Drummond, cuja instituição propôs o debate "Água como um direito humano e não como um bem comercial", afirma que estudos e experiências com a privatização mostram o contrário. Um trabalho da Public Service International Research Unit (unidade de pesquisa sobre serviço público internacional), divulgado no final de 2004, apresenta estudos de caso na Argentina e em Moçambique e conclui que "a introdução de companhias privadas nesses setores cria a possibilidade permanente de conflitos entre o interesse privado e público. (...) As políticas que confiam à atividade corporativa esses setores são desnecessariamente arriscadas".

O estudo conta o caso de Buenos Aires, quando em 1993 o consórcio do qual a multinacional Suez fazia parte venceu um contrato de 30 anos para o saneamento local. Após vários aumentos de tarifas, em 2002 a empresa criada, Aguas Argentinas, anunciou que quebraria o contrato unilateralmente, porque a crise argentina havia afetado os lucros de maneira severa. Por conta desses exemplos, o advogado ambientalista Soler conta que a água "não pode ser submetida a uma lógica de mercado. Deve garantir a vida e incluir ainda uma outra dimensão democrática: a população também deve gerenciar esse processo".