Especial 1 - Integrantes da primeira missão de paz brasileira falam dos desafios do passado

31/05/2004 - 16h10

Juliana Cézar Nunes
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Para alguns brasileiros, o embarque das tropas do Exército e da Marinha para o Haiti, iniciado na última sexta-feira, tem um significado diferente. Há dez, vinte ou até quarenta anos, eram eles que se despediam das famílias rumo a uma missão de paz. Nessa área, a primeira e maior parceria brasileira com as Nações Unidas (ONU) teve um destino que hoje parece impensável: a Faixa de Gaza, hoje parte de Israel, na época, região de disputa entre egípcios e israelenses. O objetivo da missão era garantir a paz e a segurança internacional no Canal de Suez e nos 100 km da linha de armistício entre os dois países.

De janeiro de 1957 a julho de 1967, 6,3 mil homens foram enviados ao Oriente Médio. Entre eles, o delegado aposentado Fernando Barros. "Eu tinha vinte anos. Entrei na missão como cabo voluntário. Vários amigos e vizinhos meus estavam se candidatando. A gente sonhava em conhecer o mundo", lembra, nostálgico, o morador de Porto Alegre, integrante do 13º contingente do batalhão que ficou conhecido como o Batalhão de Suez. Passada a euforia dos primeiros dias, os militares enfrentaram os desafios de trabalhar longe de casa, em uma área de difícil acesso e tensão permanente.

A base da ONU ficava em Rafah, cidade onde, na semana passada, cerca de 20 pessoas foram mortas durante uma operação do exército israelense. Os conflitos na região começaram a se agravar quase dois anos depois de o contingente de Barros voltar ao Brasil. Da Guerra dos Seis Dias em diante, foram raros os dias de paz. Aos militares que embarcaram e ainda vão embarcar para o Haiti, o delegado aposentado faz um alerta: "O pior inimigo é a saudade. Outro desafio é a ansiedade diante da iminência de um conflito. O soldado precisa aprender a lidar com esses sentimentos".

De Gaza, Barros voltou sem disparar um só tiro. As folgas e as férias serviram para o gaúcho aprender outros idiomas (inglês, francês e árabe) e conhecer boa parte do Oriente Médio e da Europa. As experiências do ex-cabo estão registradas no livro "As Fronteiras da Ilusão". "É uma experiência que nos marca e enriquece para a vida toda", revela o ex-boina azul. "Para alguns, viver situações adversas se transformou em diferencial positivo, inclusive na profissão. Para outros, não foi bem assim. Muitos colegas acabaram deprimidos, envolvidos com bebida alcoólica".