Brasília, 8/5/2004 (Agência Brasil - ABr) - De segunda a sábado José Dias, 38 anos, tem um compromisso que dura três horas: dar aulas de Educação Física aos meninos e meninas do Grupo de Fraternidade Espírita Irmão Estevão, de Brasília. O trabalho foi designado pela Justiça, depois que Dias foi condenado pelo desvio de dinheiro de uma empresa de seguros. O juiz decidiu que José Dias, réu primário, não iria para a cadeia. Em vez disso, sua pena foi prestar 540 horas de serviço em uma instituição e pagar 18 parcelas de R$ 67,00 para a compra de cestas básicas.
José Dias é um dos 32.500 brasileiros que cumprem pena alternativa. Estudos indicam que, pelo menos 60 mil pessoas poderiam ter penas semelhantes à de Dias. Para estimular essa prática, o Ministério da Justiça criou em 2000 a Central Nacional de Apoio e Acompanhamento às Penas Alternativas (Cenapa). O órgão apóia e acompanha o trabalho de 37 centrais, em 25 estados, que são conveniadas com ministério. Agora, o governo quer estimular a criação de Varas de Execução Penal específicas para essas penas. Por enquanto, apenas seis cidades dispõem dessas varas: Fortaleza, Recife, Porto Alegre, Salvador, Belém e Curitiba.
A secretária Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, Cláudia Chagas, disse que está claro para o governo que é necessário ampliar a aplicação das penas alternativas no Brasil. Por isso, existem várias frantes de atuação. Uma delas é estimular o Poder Judiciário a criar as Varas de Execução de Penas Alternativas, ou estabelecer uma estrutura firme, completa e eficaz de penas. "O que se percebe hoje é, muitas vezes, o uso indiscriminado da pena de prisão, que leva ao cárcere pessoas que teriam condições de prestar serviços à comunidade, ou ter outro tipo de pena restritiva de direito, e se reinserir na sociedade com mais facilidade", afirmou.
Pesquisa realizada pelo Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud), em 1997, revelou que o grau de reincidência de quem cumpre pena alternativa é de 12,5%. A secretária acredita que as pessoas que cometeram crimes leves e são levadas à prisão podem sair piores dali, depois da convivência diária com o crime organizado. "Precisamos selecionar mais quem deve ficar preso e quem realmente ameaça a sociedade se estiver solto", disse.
A ampliação da rede social faz parte dos planos do governo. A secretária considera que é importante haver entidades dispostas a receber essas pessoas para o cumprimento de penas alternativas. Além disso, ela destaca que as entidades podem colaborar no monitoramento da pena. "Porque não há condições de o estado ter servidores em número suficiente para fiscalizar se todas essas pessoas estão cumprindo pena no horário determinado e qual o comportamento deles no trabalho", disse.
O governo também trabalha em campanhas de conscientização junto a autoridades do Judiciário, Ministério Público, da área penitenciária e da sociedade, mostrando a importância da aplicação deste tipo de pena. Para a secretária, é necessário definir uma estrutura para que a pena alternativa possa ser cumprida, sem dar à população a idéia de que pena alternativa deixa o criminoso impune. "Se você não tem uma estrutura para que elas (as penas) possam ser cumpridas, se você cai na banalização da cesta básica, então realmente fica uma sensação de impunidade na sociedade", considera.
O próximo passo, de acordo com Cláudia Chagas, é levar esse tipo de punição para o interior do país. Segundo ela, longe dos grandes centros são praticados inúmeros crimes de baixo potencial ofensivo e as pessoas, muitas vezes, são recolhidas em cadeias públicas sem necessidade. Para cumprir esse projeto, o ministério vem capacitando servidores do Judiciário que garantam a eficácia da aplicação da pena. "Eu acho que o ideal é que se prenda menos e que se usem mais penas alternativas", observou.
As estatísticas sobre este tipo de sentença no Brasil ainda não são muito seguras, disse a secretária. O ministério tem como objetivo reunir as informações das centrais e varas de todos os estados para formar um banco de dados.
As penas alternativas não tiram a liberdade do condenado e são aplicadas a réus primários, que cometeram crimes de menor potencial ofensivo, sem intenção de dano, e com condenações de até quatro anos. Geralmente essas penas constituem em prestação de serviços à comunidade ou pagamento de multa. A mais imputada pelo sistema judiciário brasileiro é a prestação de serviços à comunidade (73,4%), seguida por prestação pecuniária (20%), como por exemplo multas ou pagamento de cestas básicas.
A maior que cumpre penas alternativas atualmente, responde por furto (20%), porte de armas (16,2%), lesão (16,1%) e uso de droga (14,4%). A grande maioria dos beneficiários é de homens (87%), dos quais 61% entre 16 e 35 anos de idade e com ensino fundamental incompleto (40,6%). Os dados são do Ministério da Justiça.
A pena alternativa foi a saída para José Dias. Ele disse que está satisfeito com seu trabalho e que mesmo depois de cumprir a decisão judicial, pretende continuar a ação no Grupo de Fraternidade Espírita Irmão Estevão. "Muitas vezes é um mal que vem para o bem. Errar, muita gente erra", afirmou.
Dias se disse sensibilizado com o tratamento que recebeu na instituição, pois não sofreu nenhum tipo de preconceito. Ele elogiou o trabalho da Central de Penas Alternativas do Distrito Federal. "Não tratam você como um marginal, como um bandido. Te dão a maior força".