Brasília, 9/1/2004 (Agência Brasil - ABr) - Mais de 23 milhões de brasileiros vivem atualmente em estado de extrema pobreza. Vários programas foram criados para diminuir as desigualdades no país e melhorar a distribuição de renda. A política de combate à exclusão acaba de ganhar um reforço de peso com a lei de renda mínima que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou ontem.
Em visita ao Brasil, o economista Philippe Van Parijs, especialista em renda básica e fundador da Rede Européia da Renda Básica, analisou os programas brasileiro de erradicação da miséria, em entrevista exclusiva à Agência Brasil. Para Parijs, a Lei que institui a Renda de Cidadania é uma inovação no mundo. Isso porque, a partir do reconhecimento dos seus problemas sociais, o país cria mecanismos prudentes para solucionar as desigualdades.
Outros programas brasileiros, como o Bolsa-Família, também foram elogiados pelo economista. Parijs alerta, porém, que as pessoas não devem se tornar dependentes da ajuda do governo. Para que isso não ocorra, ele recomenda que os programas de transferência de renda não sejam voltados somente para a população em estado de miséria, mas que seja gradual.
ABr – Que análise o senhor faz dos programas brasileiros de erradicação da miséria, como o Fome Zero?
O Brasil possui um conjunto de programas dos mais ambiciosos, comparando com os existentes nos países menos desenvolvidos. São programas agora integrados de modo inteligente, que e apresentam uma condicionante: a presença obrigatória das crianças na escola. Isso é útil para outros objetivos além da luta imediata contra a pobreza. Esses programas são importantes porque perseguem outros objetivos do que apenas promover justiça social para os menos favorecidos. O mais importante dos programas brasileiros é perseguir também o objetivo de contribuir para o capital humano do país.
ABr - Como resolver o problema da fome sem deixar a população de baixa renda dependente dos programas do governo?
Este é um problema central para todos os programas focalizados nos pobres também em outros países. Quando existe um sistema de benefícios limitado aos pobres, a partir de um certo nível de renda, existe uma tendência sistemática de ter algum tipo de dependência permanente de assistência social. Por essa razão, é necessário pensar em um tipo de generalização desses benefícios. A exemplo do de hoje, com essa nova Lei de introdução gradual de uma renda básica. Na atual situação do Brasil, existe uma espécie de castigo para as pessoas que encontram trabalho com salário inicial baixo. É como se dissesse: ‘bravo! agora você tem um trabalho com uma remuneração por seu esforço, então devolva o benefício’. Devemos imaginar um sistema que dá o benefício também para as pessoas que trabalham num emprego pouco remunerado.
ABr – É possível criar um sistema de gradação de forma objetiva?
Um ponto de partida é a universalização e a generalização dos benefícios para as crianças, como acontece no programa Bolsa-Família, destinado a pessoas muito pobres que recebem uma remuneração mensal. Porém, na zona intermediária, para as pessoas na faixa de um a cinco salários mínimos, não existe nenhuma ajuda. Esse é um aspecto da transição gradual que devemos fazer em direção a uma renda de cidadania para todos, sem estigmatização e sem armadilha de dependência para os pobres.
ABr - De que forma a parcela da população que está sendo atendida hoje pelos programas do governo poderia ser incluída no mercado de trabalho?
Não existe um método geral, porque depende muito se estamos falando em uma situação rural ou urbana. A inserção não pode ser comandada de cima, porque há muito tipo de trabalho mais ou menos acessível às pessoas segundo a capacidade de renda e capacitação. Assim, existe uma grande diversidade de caminhos. Em uma via plausível, em primeiro lugar uma pessoa pode ingressar em um emprego informal e depois de adquirir capacidade, passa então a compor o mercado formal. O cidadão pode ingressar também em uma cooperativa ou tentar um modesto trabalho independente porque existe a segurança de que receberá o beneficio de modo incondicional.
ABr - Os programas brasileiros podem servir de modelo para outros países?
Sim, em países em desenvolvimento como o Brasil. Países mais desenvolvidos têm sistemas mais abrangentes de salário mínimo. Existe também exemplo de renda mínima mais abrangentes, como o da África do Sul, com pensão básica para todos, independentemente do trabalho. O caso do Sul da África, é o esquema de transferência social mais distributivo de toda o continente. No Brasil, existem programas semelhantes, só que um pouco menos ambiciosos. Porém há uma coisa completamente nova no Brasil: a antecipação de problemas essencialmente vinculados aos pobres e a criação, para resolvê-los, de uma transferência gradual de renda básica. O Brasil é o primeiro país do mundo em que a antecipação das dificuldades do sistema presente se traduz em uma Lei prudente de transição para que não haja armadilhas de dependência. Isso é um ato de importância histórica.