Carta de Brasília
Reunidos em Brasília no I Encontro de Parlamentares Negros e Negras das Américas e do Caribe, organizado pela Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial, de 21 a 23 de novembro de 2003, parlamentares da América Latina, acompanhados de representantes de organizações e movimentos sociais dos negros e negras, decidimos subscrever a presente carta de Brasília reafirmando nossa identidade como afro-descendentes, reconhecendo o caminho de nossos ancestrais e os compromissos assumidos por nossos governos com nossos povos e comunidades contidos nas declarações e planos de ação de Santiago e Durban.
Reconhecemos que nos encontramos na terra de Zumbi dos Palmares, herói ancestral que liderou lutas de libertação e que deve servir de modelo e inspiração para a comunidade negra do Brasil e de todas os países onde se encontram os filhos e filhas da Diáspora Africana.
Consideramos:
Que os povos e comunidades afro-descendentes têm contribuído enormemente para a construção de todas as sociedades americanas e caribenhas;
Que os afro-descendentes são um grupo de cerca de 150 milhões nas Américas e no Caribe, a maioria dos quais vivem em pobreza, e que esta condição é agravada para as mulheres afro-descendentes;
Que nossos governos são signatários das Declarações de Durban e Santiago, embora a maioria deles não tem se empenhado nos compromissos assumidos;
Que os Afro-descendentes estão escassamente representados nos poderes do Estado e particularmente nos congressos e parlamentos, em função de que devemos redobrar nossos esforços e nosso trabalho. E esta exclusão se agudiza para as mulheres negras;
Que nossos esforços de inclusão de nossos povos e comunidades devem considerar tanto uma visão universalista que promova políticas públicas universais para erradicar a pobreza de nossos países com uma perspectiva de gênero e racial, assim como uma visão focalizada que promova políticas públicas e legislação específica para os afro-descendentes;
Que nossos países se encontram imersos em processos de integração, particularmente com a ALCA em cujo bojo não estão presentes a situação de exclusão de nossos povos e comunidades e que como parlamentares negros e negras devemos participar intensamente deste debate, e que das negociações sobre a ALCA têm estado ausentes até mesmo os parlamentares da região;
Que na América e no Caribe não haverá verdadeira democracia sem a inclusão dos homens e mulheres afro-descendentes;
Que o Brasil está na iminência de aprovar o Estatuto da Igualdade Racial o qual representa um salto qualitativo e histórico na abordagem da situação dos afro-brasileiros;
Que a Colômbia, tal qual outros países, tem promovido mudanças lesgislativas constitucionais que promovem a inclusão racial, que no entanto, não contamos com mecanismos para intercâmbio dessas experiências;
Que não existem programas de cooperação de relações internacionais entre os países Latino Americanos e os países da África, e que o Brasil deu um passo importante nesse sentido;
Que a religiosidade e tradições culturais peculiares são parte integral da presença dos afro-descendentes nos países das Américas e do Caribe;
Que a preservação das religiões de matrizes africanas é premissa fundamental na afirmação da identidade e da cultura específica dos afro-descendentes.
Nos comprometemos a:
Impulsionar una nova forma de fazer política baseada no respeito à inclusão dos homens e mulheres afro-descendentes;
Criar um grupo de trabalho de legisladores negros e negras das Américas para promover e trabalhar na construção do Parlamento Negro das Américas e da Rede de Legisladores das Américas;
Instar aos parlamentos da região a que tenham uma participação ativa no controle político das negociações sobre a ALCA;
Participar nos esforços parlamentares no processo de discussão sobre a ALCA para introduzir a visão, realidade e perspectivas dos povos e comunidades afro-descendentes.
Participar ativamente nas discussões dos processos de reformas fiscais, sociais e políticas, e propostas de legislação encaminhadas para a erradicação da pobreza para incorporar a perspectiva racial.
Promover legislação e políticas de ação afirmativa que tomem como base o Estatuto da Igualdade Racial brasileiro e a Lei 70 colombiana entre outros corpos de legislação;
Promover nos nossos congressos e parlamentos a necessidade de aprofundar as relações de cooperação horizontal entre os países da América Latina e da África que permitam contribuir com o desenvolvimento social, econômico e cultural dos países de ambos continentes;
Realizar uma publicação conjunta para a América Latina que compile a legislação em favor dos afro-descendentes para ser lançada em breve, possivelmente em 21 de março de 2004;
Instalar um portal de informação na internet que permita vizualizar as ações e propostas dos legisladores e legisladoras negros, assim como colocar a informação sobre políticas e legislação;
Participar como parlamentares negros e negras na Cumbre das Américas e na Cumbre Ibero-Americana que se realizam em 2004;
Instar os governos a alocarem recursos financeiros e humanos para a implementação dos acordos de Santiago e Durban especialmente aos relacionados com os povos e comunidades afro-descendentes;
Instar o Congresso Nacional do Brasil a aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, o qual deverá servir como marco geral para os países da América Latina, e garantir os recursos financeiros para sua implementação.
Realizar o II Encontro de Parlamentares Negros e Negras das Américas e Caribe na Colombia em 2004.
Desta feita, o I Encontro de Parlamentares Negros e Negras das Américas e do Caribe consolida-se como parte importante de uma articulação política internacional, que pretende dar à questão racial no continente a visibilidade necessária para a ruptura com a lógica da subjugação que ainda hoje exclui mais de 150 milhões de pessoas.
O compromisso firmado em Brasília gira em torno na defesa e preservação de tudo o que se relaciona à inserção social, à cultura e à tradição dos afro-descendentes nas Américas e no Caribe. Nessa perspectiva, trabalharemos para que as demandas reprimidas por séculos de exploração e desestruturação material, simbólica e espiritual do nosso povo façam parte da agenda política dos nossos países, assegurando o bem-estar com a inclusão de nossas comunidades.
Câmara dos Deputados
Brasília, 23 de novembro de 2003