Brasília, 12/1/2003 (Agência Brasil - ABr) - O ministro César Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça, afirmou, em entrevista exclusiva à Agência Brasil, que o novo Código Civil Brasileiro - em vigor desde sábado - deve ser elogiado pelas alterações que traz, sobrepondo o princípio da sociabilidade ao princípio individualista.
Essa nova orientação é clara, principalmente, no que diz respeito às leis de obrigações e de contratos, aponta o magistrado. Segundo o ministro, no antigo código, a vontade das partes envolvidas em um contrato estabelecia força de lei entre elas. "Até mesmo se, no contrato, a vontade do mais forte preponderasse sobre o mais fraco.
Com o novo código, os contratos passaram a ter valor social. Assim, quando houver lesão grave ou ônus excessivo, o juiz deverá deliberar se é legal, justo ou não, o que as partes estabeleceram", disse César Asfor. Ou seja, não é só o que está estabecido no contrato que vale, mas o que está em concordância com a lei e com os princípios éticos.
Mas Asfor também vê defeitos na nova legislação. Para ele, é um atraso o dispositivo sobre pensão alimentícia. Pelo antigo código, os cônjuges considerados culpados nas separações judiciais perdiam o direito a essa pensão. No novo código esse direito é assegurado em qualquer circunstância, se for preenchido a condição geral para a concessão, como a necessidade de uma parte e a capacidade financeira da outra: mesmo com estabelecimento da culpa, o cônjuge necessitado não perderá esse direito.
A pensão alimentícia poderia, ainda, no antigo código, ser dispensada, o que é impossível no novo.Para o magistrado, se existe concordância do casal na separação dos bens, preferindo um deles ficar com o apartamento em troca da pensão alimentícia, isso já não será possível com o novo código. Pela nova lei, o cônjuge que ficou com o bem, poderá reivindicar, posteriormente, a pensão da qual havia aberto mão, explicou o ministro.
O ministro destacou que uma das mudanças mais significativas no novo código é a redução da maioridade civil. "A mudança é impactante porque significa dizer que um jovem de 18 anos terá as mesmas responsabilidades civis de um homem já formado", explicou - algo que na sociedade já acontece muitas vezes até antes dessa idade.
Essa redução, no entanto, está sendo severamente criticada por outras autoridades. O advogado e professor Segismundo Gontijo afirmou que não vê outra razão para essa modificação que não seja o interesse do Estado em desonerar a Previdência Social das pensões de filhos menores de 21 anos de segurados falecidos. Em declarações divulgadas na Internet, Gontijo diz que a redução da maioridade para 18 anos criou uma situação que livra a Previdência Social do ônus, mas sacrifica a mãe viúva.
O ministro César Asfor chama a atenção para outras alterações, consideradas como novidades pela imprensa, mas que na verdade não o são, pois a jurisprudência há muito modificara sua aplicação. Um dos exemplos citados foi o estabelecimento de multa por inadimplência, comum nas taxas de condomínio, acima dos 2% permitido pela lei do consumidor.
"A igualdade entre os dois sexos também já existia na prática. Na redação do antigo código ainda havia uma preponderância do homem sobre a mulher, mas a Constituição de 1988 já os tinha igualado em termos absolutos. A redação do novo código está somente ajustando esse preceito constitucional", explicou César Asfor.
Outra "novidade aparente" do novo código, segundo o ministro, é sobre a proibição de discriminação de filhos legítimos, ilegítimos, naturais, incestuosos ou adulterinos. A Constituição de 1988 também já havia igualado a condição de filiação, informou. "O novo código trata os filhos simplesmente como filhos", disse. A guarda dos filhos também pode ser considerada outra mudança, que de fato, já havia se estabelecido. "Desde muito, juízes têm decidido que filhos menores ficam com quem tem melhores condições de criá-los, independentemente se mãe ou pai", afirmou.
Ele acrescentou que o novo código irá incorporar dispositivos do Código Comercial. Um exemplo dessa alteração é o direito das sociedades limitadas, apesar do assunto ser tratado anteriormente por lei específica. Na entrevista, Asfor considerou que tal lei, "muito curta e enxuta não, despertava maiores discussões". A jurisprudência e a doutrina já tinham afastado todas as dúvidas existentes.
Para confirmar a inutilidade desta incorporação, o ministro informou que, em 2002, dos 200 mil processos julgados pelo STJ, menos de dez eram sobre esse tipo de sociedade. César Asfor considerou que, na incorporação em questão houve acréscimos desnecessários. O ministrou citou o caso da exigência de publicação de modificação nos estatutos. "Tal dispositivo irá encarecer o funcionamento de sociedades simples, muito comuns entre marido e mulher e que existem em maior número e em percentual muito elevado", afirmou. O ministro esclareceu ainda que os dispositivos de leis das Sociedades Anônimas continuam no Código Comercial.
O novo Código Civil, foi instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e entrou em vigor um ano após sua sanção. Ele vai substituir o antigo código elaborado em 1916 e que estava totalmente defasado, devido às grandes mudanças sociais do século XX - só para se ter uma idéia, admitia a devolução da noiva ao seu pai, caso o marido constatasse, na noite de núpcias, que a mulher não era mais virgem. Mesmo assim, a nova legislação precisou tramitar durante 28 anos no Congresso Nacional para receber as atuais mudanças.
IDM
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