Alex Rodrigues
Repórter Agência Brasil
Brasília – A Cruz Vermelha Brasileira deve cerca de R$ 90 milhões aos cofres públicos e a antigos funcionários que recorreram à Justiça para receber seus direitos trabalhistas. Segundo o presidente da entidade, Nício Brasil Lacorte, a quantia é a soma de dívidas de impostos, tributos e contribuições previdenciárias ao longo dos últimos anos.
Entrevistado pela Agência Brasil, Lacorte atribuiu a situação ao que classificou de “má gestão” da entidade ao longo de “mais ou menos 20 anos”, período durante o qual, segundo ele, a Cruz Vermelha Brasileira teve algumas gestões marcadas pela “pouca transparência”.
Criada em 1907, a entidade filantrópica brasileira sobrevive de contribuições e do voluntariado. Apesar de integrar a Federação Internacional da Cruz Vermelha, a instituição brasileira tem autonomia administrativa e estatuto próprio, não se confundindo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que também tem escritórios no país. Em abril de 2010, suspeitas de irregularidades levaram o Tribunal de Contas da União a determinar que a Caixa Econômica Federal parasse de destinar à entidade nacional o percentual da loteria esportiva a que tinha direito por força da Lei 6.905, de 1981.
De acordo com Lacorte, o maior credor da entidade é a União. Dos cerca de R$ 90 milhões, algo em torno de R$ 80 milhões é dívida tributária, enquanto o passivo trabalhista gira em torno de R$ 8 milhões. Além disso há um débito de aproximadamente R$ 10 milhões com a Federação Internacional da Cruz Vermelha, o que eleva o dívida total para quase R$ 100 milhões.
Apesar do valor total superar o patrimônio da entidade, Lacorte assegura que a dívida é “absolutamente administrável”, desde que a Receita Federal, aceite renegociá-la. Mesmo o caso se tornando público e a Cruz Vermelha Brasileira reconhecendo a dívida, a Receita Federal não se pronuncia sobre casos específicos, em função do sigilo fiscal.
“Já estamos negociando com cada um dos [ex-funcionários] reclamantes, que estão aceitando abater os juros, a correção monetária e as multas para que possamos quitar a dívida. A dificuldade é com a Receita Federal, já que seus servidores, em submissão à lei, não podem negociar”, comentou.
Lacorte assegurou que 70% a 80% dos R$ 80 milhões de dívidas tributárias correspondem a juros, multas e correção monetária aplicadas pela Receita Federal, segundo ele, muitas vezes indevidamente.
“Há cobranças de tributos questionáveis que não foram [contestadas] à época porque a entidade não tinha dinheiro para pagar advogados. Agora, esperamos a compreensão e a ajuda do Poder Público, da Presidência da República, já que, se por acaso encontrarmos uma dificuldade insuperável para negociar com a Receita Federal e não obtivermos a Certidão Negativa de Débito, o escritório brasileiro estará falido”, disse Lacorte, acrescentando que assumiu “uma casa entregue às traças”.
Delegado aposentado da Polícia Federal, Lacorte já havia ocupado o cargo de procurador-geral da Cruz Vermelha nacional, que deixou no fim de 2010, alegando divergências com a forma como a sociedade nacional vinha sendo dirigida à época. “Havia muita obscuridade”.
O antecessor de Lacorte, Walmir de Jesus Moreira Serra, pediu demissão do cargo em setembro de 2012, junto com seu vice, Anderson Choucino. Os dois são acusados de desviar dinheiro doado à entidade, de não prestar contas de sua gestão e de não pagar a anuidade que da filial brasileira à Federação Internacional. Diante das suspeitas de má utilização dos recursos, a Central Nacional da Cruz Vermelha Brasileira e as filiais estaduais e municipais aceitaram que as contas da entidade fossem objeto de uma auditoria externa. O processo é supervisionado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e pela Federação Internacional.
O próprio Lacorte, contudo, foi uma das 16 pessoas indiciadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de Balneário Camboriú (SC) que em 2012 investigou supostas irregularidades no Hospital Municipal Ruth Cardoso, administrado pela Cruz Vermelha do Rio Grande do Sul.
Segundo o relatório final da CPI, Lacorte, então presidente do escritório gaúcho, e Serra, “apropriaram-se de verbas que deveriam ser [usadas] no atendimento hospitalar, encaminhando, sem previsão [legal] e sem justificativa plausível, mais de R$ 1,5 milhão” para a Cruz Vermelha Brasileira e o escritório da entidade no Maranhão, além de “praticarem atos de improbidade administrativa que causaram prejuízos ao erário e atentaram contra os princípios da administração pública”. As suspeitas motivaram a instauração de um inquérito policial e de um inquérito civil no Ministério Público de Santa Catarina.
“Não pratiquei nenhum ato. Não haveria explicação [para] eu estar envolvido nesses fatos e meus pares, que sabiam de toda a verdade, me aclamarem presidente nacional da entidade”, afirmou Lacorte. Ele garantiu que quem administrava o contrato era a direção nacional da Cruz Vermelha Brasileira.
Segundo Lacorte, a entidade nacional estava em uma situação difícil, precisava de recursos e decidiu partir para a administração de hospitais. Como o órgão central não pode participar deste tipo de atividade e nenhum outro escritório estadual tinha condições de participar do certame para escolher quem iria gerir o hospital, foi usado o nome da filial gaúcha, mas não foi ele que administrou o hospital.
“Minha única participação administrativa foi apenas assinar o contrato”, alegou Lacorte. Ele garantiu não ter sido ouvido pela CPI da Câmara Municipal de Balneário Camboriú e disse que entregou ao Ministério Público de Santa Catarina documentos para provar que que não cometeu qualquer irregularidade.
“Toda a movimentação financeira, todas as compras, foram aprovadas pela Comissão de Acompanhamento e Fiscalização da prefeitura e contabilizados. Seria a primeira quadrilha a contabilizar operações ditas irregulares”, concluiu Lacorte. A Agência Brasil tentou ouvir o antecessor de Lacorte, Walmir de Jesus Moreira Serra, mas não conseguiu localizá-lo.
Edição: Tereza Barbosa
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