Pesquisa da FGV em duas comunidades pacificadas mostra que muita coisa ainda precisa ser feita

15/09/2011 - 0h05

Da Agência Brasil

Rio de Janeiro – A vida dos moradores de duas comunidades cariocas que receberam as unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), as favelas do Cantagalo e do Vidigal, pouco mudou. A conclusão é de uma pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas, divulgada hoje (14). O objetivo do estudo foi conhecer hábitos dos moradores das comunidades em relação ao exercício de direitos e ao uso de serviços jurídicos, após a instalação das UPPs.

Na Favela do Cantagalo, na zona sul, 29% dos moradores da comunidade declararam ter sido desrespeitados pela polícia nos últimos doze meses. A UPP funciona no local desde dezembro de 2009. No Vidigal, também na zona sul, 20% das pessoas relataram o mesmo problema. Segundo a pesquisa, menos da metade dos entrevistados, quando agredidos, procuram a Defensoria Pública e a própria polícia para solucionar as questões.

A pesquisa também apontou uma grande diferença entre as duas comunidades avaliadas em relação à infraestrutura básica. No Cantagalo, 75% dos entrevistados apontaram que os problemas mais preocupantes são a pavimentação e a coleta de lixo. Já no Vidigal, 35% dos moradores reclamaram da pavimentação e de os serviços de abastecimento de água e saneamento.

O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, atribuiu as reclamações de abuso policial feitas pelos moradores à ausência do Estado nessas regiões nos últimos quarenta anos. Beltrame disse que a corrupção policial e seus excessos continuarão a ser combatidos com punições. “Essas questões são ajustes que serão feitos ao longo do processo. Não existia ali a convivência entre moradores e policiais, agora essa convivência passou a existir”.

A coordenadora do Núcleo de Pesquisa do Centro de Justiça e Sociedade da FGV e responsável pelo estudo, Luci Oliveira, declarou ser fundamental para a sociedade compreender como as pessoas, das comunidades analisadas, vivenciam a prática da cidadania e não solucionam problemas por meio das instituições jurídicas. “A partir do momento em que a segurança é devolvida às comunidades, elas passam a resignificar a metáfora da cidade partida, que é utilizada há bastante tempo, com a separação entre o asfalto e a favela. Elas passam a ter mais acesso aos serviços públicos entre os quais está o da Justiça”, disse.

A pesquisadora declarou ainda que a implantação da UPP requer um processo de compartilhamento de aprendizados de novas regras por parte dos moradores e da polícia. Para Luci Oliveira, as reclamações com relação ao policiamento tendem a diminuir quando a confiança fica estabelecida entre as partes.

A líder comunitária do Complexo do Alemão, Lúcia Cabral, ressaltou que a comunidade não deseja ser vista como um lugar de fiscalização e sim pela execução de direitos. Ela disse que os moradores estão sensíveis em função da mudança de um poder bélico do tráfico para o lícito, sem investimentos sociais. “Você vê hoje o Exército na comunidade. Mas cadê o social? O social está presente no entorno ao Complexo do Alemão, e se você adentra no interior, presencia o seu total abandono”.

A socióloga Julita Lembruger, que também participou da pesquisa, disse que as UPPs podem obter mais sucesso do que as experiências de policiamento comunitário anteriores. Isso ocorrerá, de acordo com ela, desde que sejam feitas mudanças como o combate à corrupção policial e o fim de incursões policiais violentas e prejudiciais aos moradores.

“Há uma melhora a medida em que as UPPs vão se consolidando nessa ou naquela região. Evidentemente que, em alguns momentos, ocorram problemas pontuais. Não vamos nos iludir, acho ingenuidade acreditar que as unidades resolveram todos os problemas de segurança pública no Rio de Janeiro ou mudaram a polícia do estado. A polícia do Rio é historicamente corrupta e violenta”, declarou.

 

Edição: Aécio Amado