Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Ao cumprir ação de reintegração de posse, oficiais de Justiça lacraram hoje (8) a entrada principal da comunidade quilombola Sacopã, localizada no Bairro da Lagoa, na zona sul do Rio de Janeiro. Os moradores fizeram uma manifestação e convocaram autoridades e estudiosos dos direitos do negros para comprovar suas origens. Mesmo assim, não conseguiram evitar o cumprimento da decisão judicial.
Instalados em uma das regiões mais nobres da cidade, os quilombolas - também conhecidos como Família Pinto - foram citados em ação movida em 1989. Um condomínio de luxo vizinho ao quilombo reivindica a área de entrada da comunidade. A ação teve desdobramento hoje, quando os oficiais lacraram a entrada da vila. A comunidade anunciou que recorrerá da decisão por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Segundo o presidente da associação de 32 moradores, Luiz Sacopã, a medida judicial fere o Artigo 68 da Constituição. "Eles [condomínios] estão inconformados com nossa permanência. Querem nos privar de nossos direitos. Não atrapalhamos ninguém. Fazemos nossas quentinhas e nossa feijoada. Somos queridos por artistas e outros moradores da zona sul."
Representando os condomínios da Ladeira Sacopã, a Associação de Moradores da Fonte da Saudade apoiou a ação dos oficiais de Justiça. Contrária à ocupação, a entidade contesta a origem do grupo. De acordo com a presidente Ana Simas, as famílias não nasceram no local. Ela disse ainda que a principal preocupação é com o desmatamento na vila, localizada em área de proteção ambiental.
"Ainda que eles sejam quilombolas, não podem desmatar”, disse Ana, acrescentando que os condomínios não podem ser responsabilizados pelo desmatamento autorizado pela prefeitura anos atrás. "Estou cansada de ser acusada de elite preconceituosa.”
A comunidade negou o desmatamento e assinala que é vigiada constantemente pela prefeitura. Para os quilombolas, as denúncias são uma manobra para obrigá-los a sair da área.
De acordo com o professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio José Maurício Arruti, o fato de uma das famílias da comunidade não ter nascido no local não é problema. Especialista na assunto, ele disse que nem todos os quilombos são originários de grupos de escravos fugidos. A trajetória dos remanescentes, completou, está ligada a movimentos de resistência.
"Eles não são plantas. Não brotaram do chão. São grupos que se constituíram no pós-abolição, em processos de expulsão de terras”, disse Arruti. “A família Pinto tem integrantes originários de fazendas da atual zona sul, que formaram o quilombo. Na época, a Lagoa era um charco, totalmente desvalorizada. Tanto que a comunidade Sacopã se estabeleceu no alto.”
As contestações dos condomínios e de imobiliárias também não impediram o Incra de avançar com a regularização fundiária da comunidade. O coordenador do Serviço de Quilombos do Incra no Rio, Miguel Pedro Cardoso, que tentou impedir a ação dos oficiais de Justiça na tarde de hoje, assinalou que o processo contra os moradores da vila não levou em conta o reconhecimento dos órgãos federais.
"O Incra acabou de julgar improcedente as contestações dos confrontantes [vizinhos e uma imobiliária que se diz dona do terreno] e vai partir para emissão da portaria de reconhecimento", destacou Cardoso.
Orientador de pesquisas sobre o quilombo Sacopã, o professor da Universidade Federal Fluminense Ronaldo Lobão defendeu a casa da família Pinto como um espaço de convivência na zona sul e de manutenção de elementos da "identidade nacional". "A feijoada e o tradicional bloco de carnaval Rola Preguiçosa, que a comunidade organiza, fazem parte da nossa cultura e história."
Edição: João Carlos Rodrigues