Faltou consulta à sociedade para elaboração do Acordo Ortográfico, diz especialista

05/05/2009 - 8h15

Daniel Mello
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - Aspessoas comuns poderiam ter sido mais ouvidas na elaboração doAcordo Ortográfico que começou a vigorar em 1º dejaneiro deste ano. Para o coordenador do curso de letras daUniversidade Estácio de Sá, no Rio, Deonísio da Silva, aforma como foi feito o acordo dificulta a assimilação. “Se a sociedade que usa a língua fosse maisconsultada, daria muito menos trabalho [difundir as novas normas]”,considerou.

A línguaportuguesa escrita estava “precisando” de uma reforma, naavaliação de Deonísio. No entanto, ele acreditaque as mudanças deveriam ter levado em conta as transformaçõesdecorrentes do próprio uso do idioma, em vez dedar prioridade às regras formais da escrita. “A reforma nãodeveria ficar só nos dicionários. Os dicionáriosestão atrasados pelo menos 40 anos [em relaçãoao idioma utilizado no cotidiano]”.

Na opinião do coordenador, as deficiências na elaboraçãodo projeto comprometem a eficácia da reforma linguística.“Oacordo, do jeito que foi feito, vai demandar outra reforma em breve”, ressaltou.

Até2012, quando o modo de escrever antigo deixará de ser aceito,os brasileiros já terão incorporado as mudanças,prevê o professor de letras da Universidade de SãoPaulo Valter Kehdi. Ele reconhece que “a ortografia sempre implica hábitos muito arraigados”, mas acredita que com o usodiário, a nova forma de escrever será assimilada dentrodo prazo de transição.

Paraele, o ideal é que as pessoas aprendam as regras mais simplese “esqueçam” as mudanças em relaçãoao hífen, que são mais complexas. De acordo com Kehdi,o melhor é ter um dicionário atualizado para esclareceras dúvidas em relação à escrita.

Apesarda nova ortografia já ter sido adotada por váriosveículos de comunicação brasileiros, ainda nãofoi implementado nenhum programa oficial de divulgaçãodas novas regras. O Ministério da Educação(MEC)informou que produziu uma cartilha sobre o assunto, mas espera poraprovação da Academia Brasileira de Letras (ABL). Aversão digital do Vocabulário Ortográfico daLíngua Portuguesa (Volp), disponível na páginada ABL, não foi atualizada até o momento.

Opresidente do Instituto Internacional da LínguaPortuguesa (IILP), Godofredo de Oliveira Neto, acredita que a difusãopelos meios de comunicação é maior do que aesperada e suficiente para que as novas normas sejam conhecidas pelapopulação. “Até programa humorísticoestá tratando disso [acordo ortográfico]”, brincou.

Elaboradoem 1990, a ideia do Acordo Ortográfico é unificar amaneira de escrever em todos os países que utilizam oportuguês. Porém, ainda existem resistências em relação às mudanças, principalmente em Portugal. Uma petiçãoeletrônica , apoiada por intelectuais lusitanos,  conseguiu mais de100 mil assinaturas rejeitando a reforma.

ParaValter Kehdi, é normal que haja reação maiorem Portugal, devido à tradição do país comoberço da língua. O professor acredita queo acordo é “desejável”, apesar de discordar dealgumas mudanças.

Mesmocom as controvérsias, o governo português manifestou aintenção de que o Acordo Ortográfico entre emvigor este ano.

Pelasruas, as opiniões em relação à nova maneira deescrever estão divididas - alguns concordam com as mudanças,outros acham desnecessárias e existem até aqueles queainda não ouviram falar das novas normas.

Oartista plástico Felipe Pontes disse que desconhecia asnovas regras de ortografia, mas que pretende se informar.“Acho que vou buscar essas novas palavras na internet”.

Aanalista de câmbio Sandra Ferreira leu sobre as mudanças nos jornais e na internet. No entanto, considerou-se “bempor fora” da nova ortografia. Apesar de não conhecer afundo as  regras, ela acredita que a padronizaçãoda escrita é uma medida positiva. “É legal unificar,já que é a mesma língua”.

Confiraalguns depoimentos colhidos pela Agência Brasil em SãoPaulo, Brasília e no  Rio de Janeiro:

“Algumasmudanças tornaram a nossa ortografia mais difícil,principalmente porque nos acostumamos a escrever da forma antiga.Porém, creio que em pouco tempo os brasileiros irão seacostumar a escrever de acordo com a nova ortografia.”. EduardoMello, advogado, Brasília.

“Épara mudar as palavras, né? Tomar outro rumo, como pronunciar,mudar os acentos”. Célia Regina de Mello, faxineira, Rio deJaneiro.

“O queeu acho desagradável é que não é umatentativa completa. Iniciou com esse objetivo de integrar todos ospaíses que falam a língua portuguesa mas nãoabrangeu, não teve uma abertura, não teve amplitude eaí acaba que você vai se adaptar a uma coisa que nãoteve o foco atendido”.  Priscilla Silva de Lima, arquivista doServiço Florestal Brasileiro, Brasília

“Achoque precisa de mais divulgação por meio dosjornais. O público em geral não tem acesso à informação” Sidney Cortez, analista de câmbio,São Paulo.

“Euacho bom no sentido de criar um padrão na línguaportuguesa que é falada não só aqui no Brasil,mas em outros países”. Fábio Luiz e Silva, estudanteuniversitário, Rio de Janeiro.

“O queeu sei é que houve algumas mudanças em relaçãoa algumas palavras. Não sei muito bem, só sei quealgumas palavras mudaram na grafia, não sei se mudou a maneirade falar, mas que a grafia mudou isso a gente sabe”. Rosa ShirleyPeres da Silva, estudante universitária, Brasília.

“Vouter que ir pra escola de novo, senão daqui a pouco vãome chamar de burra. Para mim, tinha que deixar do jeito que estava”.Silvana Ferreira, dona de banca de revista, São Paulo.