Sistema judicial brasileiro não está inerte a crimes de tortura, diz Nilmário

26/05/2004 - 19h51

Brasília, 26/5/2004 (Agência Brasil - ABr) - O ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, disse hoje, em nota oficial, que existe um número crescente de condenações penais, processos e inquéritos instaurados contra policiais e autoridades em razão da prática do crime de tortura. "Hoje, já existem 240 pessoas condenadas por crimes de tortura em primeira instância no Brasil", informou. Na opinião dele, isso já um indício de que o sistema judicial brasileiro não está inerte diante do fenômeno.

A nota foi uma resposta ao relatório divulgado em Londres pela Anistia Internacional (AI), denunciando a existência de tortura, assassinatos cometidos por policiais, violência no campo e contra os índios no Brasil.

O ministro admite que ainda há um longo caminho a percorrer, mas que importantes avanços foram alcançados nos últimos anos. "A federalização dos crimes contra os direitos humanos, incluída na reforma do Judiciário já é uma vitória", disse. Outro ponto importante, na opinião dele, é a homologação, ao longo dos anos, de 82% das terras indígenas brasileiras. "Em um ano e meio de governo, 33 terras foram homologadas", lembrou.

Outra medida que o governo federal vai adotar até 2006, por meio da Secretaria Especial de Direitos Humanos, será o programa de Ouvidorias de Polícia, em parceria com a Comunidade Européia, que investirá R$ 20 milhões no projeto. As ouvidorias são mecanismos disponíveis aos cidadãos para a denúncia do crime. O objetivo é aperfeiçoar os procedimentos de controle externo sobre a violência policial, por meio do fortalecimento e da disseminação dos trabalhos das ouvidorias por todo o Brasil.

O relatório da Anistia Internacional diz que apesar de o governo propor uma nova política nacional para segurança pública, as medidas adotadas pelos governos estaduais para combater a criminalidade continuaram a resultar em aumento das violações dos direitos humanos.

"Em janeiro, o recém-eleito governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro governo brasileiro do Partidos dos Trabalhadores (PT), tomou posse. Apesar de ter feito diversas propostas para o investimento social, em particular para combater a fome, as pressões econômicas levaram-no a adotar uma rigorosa política fiscal que limita os gastos sociais, enquanto os planos de reformas políticas dominam sua agenda no Congresso", afirma o relatório.

A Anistia considera que o Estatuto do Desarmamento, editado pelo governo para controlar a posse e venda de arma de pequeno porte, é um primeiro passo no combate à violência.

Polícia violenta - O Rio de Janeiro e São Paulo registraram aumentos dramáticos no número de civis mortos em conflitos com a polícia, segundo o relatório da Anistia Internacional. O documento mostra que a polícia paulista matou 11% a mais que no ano anterior e a do Rio de Janeiro 34% a mais. "Ambos os governos estaduais informaram à AI que o aumento no número de mortos fora o resultado de medidas de policiamento mais fortes. Contudo, muitas dessas mortes ocorreram em situações que apontavam para o uso excessivo da força ou execuções extrajudiciais". A organização alega ainda que as mortes raramente foram investigadas, pois foram registradas, geralmente, como "resistência seguida de morte".

O relatório explica que o governo federal delineou um plano de longo prazo para a reforma da segurança pública, a ser adotada pelos estados. Apesar disso, afirma que alguns governos estaduais, como os de São Paulo e Rio de Janeiro, continuaram a defender o uso de métodos policiais repressivos.

Tortura e maus-tratos - O relatório da Anistia diz que a tortura continua sendo uma prática sistemática e generalizada na maioria das prisões e delegacias de polícia, como também durante o processo de detenção. Afirma que o governo reconhece a existência da prática e lançou, em 26 de junho de 2003, uma segunda campanha contra a tortura, envolvendo promotores e juízes.

Os detentos em delegacias de polícia, prisões e centros de detenção juvenis continuaram a ser encarcerados em condições cruéis, desumanas e degradantes, diz o documento. "Foram amplamente relatados casos de superlotação, más condições sanitárias, acesso limitado a serviços de saúde, uso persistente da tortura, rebeliões e violência entre os próprios presos", acrescenta.

Violência contra os povos indígenas - Houve uma escalada nas mortes, intimidações e perseguições das populações indígenas, afirma o relatório. A Anistia Internacional diz que o processo de demarcação de territórios indígenas foi interrompido em muitas áreas sendo que, segundo relatos, em algumas delas a interrupção se deveu a negociatas políticas, resultando em um aumento drástico da tensão nessas regiões. O relatório menciona que em outubro do ano passado, 23 líderes indígenas foram assassinados. "O ministro da Justiça afirmou a AI que todas as mortes de indígenas durante o ano se deveram a conflitos internos nas aldeias", acrescenta.

Violência e conflito pela terra - A Anistia Internacional considera que violências, ameaças, intimidação e perseguição política de ativistas rurais continuam existindo. A região com maior número de conflitos rurais foi o sul do Pará. Até setembro, 31 mortes haviam sido registradas no Pará, a maioria no sul do estado. O relatório cita dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) para afirmar a existência de violência no campo. Segundo a CPT, 53 ativistas rurais foram mortos entre janeiro e setembro e somente cinco pessoas foram presas em conseqüência das 976 mortes ocorridas entre 1985 e 1996.

A Anistia considerou uma importante vitória a condenação, em dois casos separados, de responsáveis por encomendar a morte de ativistas sem terra. Em 25 de maio, no Pará, Vantuir Gonçalves de Paula e Adilson Carvalho Laranjeira, um ex-prefeito, foram condenados a 19 anos e 10 meses de prisão por mandar assassinar o sindicalista João Canuto, em 1985. No Maranhão, o proprietário rural Osmar Teodoro da Silva foi condenado a 19 anos de prisão por ter mandado assassinar o padre e agente da Comissão Pastoral da Terra, Josimo Moraes Tavares, em 1986.