Polímero de mamona substitui platina em próteses ósseas

16/04/2003 - 17h17
Brasil tem 8% da área de mamona plantada no mundo

Brasília 16/4/2003 (Agência Brasil - ABr) - A mamona, planta da família Euphorbiaceae, cujo fruto tem largo espectro de aproveitamento no setor farmo-químico, amplia agora sua opção de uso ao ter sua resina empregada para a confecção de peças para implante de próteses. O polímero derivado do óleo de mamona usado para essa finalidade foi desenvolvido pelo professor de química analítica da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, Gilberto Chierice.

Chierice explica que o óleo extraído da semente de mamona é o elemento do polímero, uma espécie de plástico vegetal - substância valiosa para quem precisa de implante ósseo. A partir desse material, foram desenhadas próteses de várias partes da estrutura óssea e produzido um cimento ósseo. "As próteses de polímero de mamona substituem as pesadas e caras próteses convencionais feitas de platina. Obtidas com diferentes texturas e densidade, podem substituir até implantes de silicone", prevê o químico.

Parte de mandíbula substituida por prótese de resina de mamona

A pesquisa começou em 1987, quando Chierice coordenou uma equipe para desenvolver, a pedido da Telebrás, uma resina para vedar cabos telefônicos aéreos e subterrâneos. O experimento teve continuidade com a equipe sendo solicitada a ajudar hospitais a criarem uma prótese de testículo para a cirurgia de câncer prostático. O objetivo era reduzir o custo do procedimento. "Criamos um polímero, mais ou menos parecido com o atual. Primeiro testamos o material em animais, depois em pacientes terminais, cujas análises após o óbito mostraram uma perfeita compatibilidade com o organismo. Os primeiros implantes das próteses foram realizados há cinco anos no Hospital Amaral de Carvalho, em Jaú, interior de São Paulo", informou o Chierice.

Além de Chierice, participam da pesquisa profissionais de outras áreas, como o dentista Edelto dos Santos, que já operou cerca de 30 pacientes utilizando o novo material. Para ele, o polímero oferece várias vantagens como ser mais resistente, maleável, leve e estável. "Uma cirurgia convencional dura de 15 a 20 horas, enquanto essa nossa técnica tem duração de 2 horas. Além de a recuperação ser bem mais rápida, o paciente não precisa ficar no CTI (Centro de Terapía Intensiva), pois o polímero em contato com o tecido do corpo inibe as substâncias mediadoras da inflamação e da dor", explica Edelto.

Molde de polímero projetado pelo computador

Outro ponto positivo do novo polímero foi tornar a operação mais simples, "já que a radiografia da falha óssea do paciente é levada para o computador, que produz a peça exata que deve ser feita com o polímero para recuperar a parte anatômica danificada. Com isso, a parte óssea do paciente não precisa ser tão manipulada para receber a prótese. Isso reduz o tempo da cirurgia e a torna mais econômica", diz o dentista. Além disso "a prótese é individual, ou seja, especialmente desenhada para cada pessoa. Qualquer um pode se beneficiar dessa operação, pois o polímero é biocompatível, ou seja, o organismo humano não o enxerga como corpo
estranho, devido à estrutura molecular do óleo da mamona", completa Chierice.

O óleo da semente da mamona também pode ser utilizado como cimento ósseo, cuja função é preencher o espaço entre a prótese de superfície e o osso poroso, possibilitando o encaixe. O cimento se obtem por meio da reação do óleo da mamona e do monômero, substância que endurece o polímero. Sua grande vantagem em relação ao cimento convencional é de ser isento de toxinas que provocam a queda da pressão do paciente durante a cirurgia e a aceitação do
organismo.

Chierice ainda criou, por meio da alteração de algumas características químicas da fórmula original do polímero, um eficiente bactericida e fungicida. Estes foram testados, em forma de detergente ou pasta semelhante à vaselina, em hospitais de Jaú, São José do Rio Preto, Botucatu e Ribeirão Preto, no interior do estado. Laudos médicos revelaram que segundos depois da aplicação, bactérias muito comuns em hospitais foram exterminadas.

De acordo com Edelto, as próteses de polímero de mamona ainda não estão disponíveis em larga escala. "Estamos providenciando um protocolo para que todos que desejarem se utilizar dessa técnica sejam treinados corretamente e não passem pelas mesmas situações desnecessárias que nós passamos", explica o dentista. "As pesquisas continuam e tendem a se aprimorar cada vez mais. Estamos montando uma empresa para a comercialização", acrescenta Chierice.

"A prótese de polímero já foi patenteada. O produto é bem brasileiro. A partir de julho as exportações serão permitidas", informa o químico. Por enquanto, a Argentina é o único cliente internacional do Departamento de Química Analítica da USP de São Carlos. O produto é usado
principalmente nas neurocirurgias. O material serve para reconstruir a calota craniana e as vértebras.

Hoje, existem no mercado mais de 400 subprodutos derivados do óleo da semente de mamona incluindo medicamentos, tintas, vernizes, fungicidas, lentes de contato, cosméticos e o mais utilizado, que é o óleo lubrificante.

As universidades federais do Ceará, Piauí e do Rio de Janeiro, mais a Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial (Nutec), vinculada o governo do Ceará, estão implantando um projeto de transformação do óleo da mamona em óleo diesel. Um dos benefícios desse combustível é ter melhor viscosidade, ser renovável e não emitir substâncias poluentes (como o enxofre), presentes nos combustíveis fósseis, tornando-o uma alternativa ecológica.

A mamona foi importadas da Índia, seu país de origem, no século 16. A intenção era obter um óleo mais barato para as lamparinas das senzalas. Sua fácil adaptação tornou o Brasil o maior produtor mundial da mamona. A planta ganhou espaço principalmente nas lavouras do Nordeste, tornando-se de grande importância para a economia da região, por ser resistente à seca, ser fixadora de mão-de-obra, bem como geradora de emprego e matéria-prima. Atualmente, a Bahia é o maior fornecedor de sementes para as empresas "esmagadoras".