Brasília, 4/12/2002 (Agência Brasil – ABr) - De tempos em tempos, os freqüentadores de academia são apresentados a substâncias apontadas como a panacéia para aumentar a força física ou melhorar o aproveitamento dos exercícios. Atualmente, a moda entre desportistas profissionais ou de fim-de-semana, fisiculturistas e praticantes eventuais de musculação é a ingestão de um aminoácido, a glutamina. Antes, o suplemento alimentar líder de vendas era a creatina.
Avaliar a contribuição desses dois suplementos alimentares para aumentar a massa muscular e a força dos indivíduos que praticam atividades físicas é o objeto da tese de douturado de Keila Elizabeth Fontana, na Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade de Brasília (UnB): "Os efeitos ergogênicos da creatina e glutamina". Professora do Departamento de Fisiologia, da Faculdade de Educação Física da UnB, Keila selecionou 30 pessoas que praticam musculação, para verificar variações ergogênicas – ganho ou perda de massa muscular e força – corporais e psicológicas provocadas por essas substâncias. Tanto a glutamina quanto a creatina são substâncias produzidas pelo corpo humano.
A primeira é um aminoácido não-essencial, o que significa que pode ser sintetizada de acordo com a necessidade do organismo. Estima-se que aproximadamente 60% dos aminoácidos livres no corpo estão na forma de glutamina, armazenados em grande parte nos músculos. A creatina é uma amina nitrogenada que o corpo produz para ter energia. É formada no fígado, rins e pâncreas a partir dos aminoácidos glicina, arginina e metionina. A substância é encontrada, principalmente, nos músculos esqueléticos (90-95%) e o restante no músculo cardíaco e no cérebro.
A creatina chegou às academias por sua propriedade de levar uma quantidade considerável de água para os músculos, dando-lhes volume. É como se os músculos ficassem inchados, colabroando para a síntese de proteína. Os responsáveis pela propaganda das glutaminas foram os atletas de modalidades que exigem esforço físico intenso e repetitivo, como maratonistas. Há muito tempo, eles usam o aminoácido como suplemento alimentar, para combater a síndrome de overtreino, responsável por diminuir a concentração de glutamina no músculo.
Apesar de a pesquisa de Keila ainda não estar concluída - a defesa de tese está prevista para julho de 2003 - a análise dos dados iniciais permite à professora afirmar que os participantes do teste que ingeriram creatina adquiriram força, além de massa muscular. "Há muito já sabíamos da capacidade da creatina em aumentar o volume dos músculos pela retenção hídrica. Com esses testes conseguimos verificar, também, que as pessoas que tomaram o suplemento apresentaram resultados melhores nos exercícios de repetição máxima (RM)", explica ela. Para chegar a essa conclusão, a pesquisadora realizou testes de RM antes das oito semanas de dosagem com os suplementos e ao final do período. Nos exercícios, os voluntários devem utilizar a carga máxima suportável.
De acordo com a pesquisadora, nos exercícios de explosão de força, como a musculação, a glutamina não repetiu os mesmos resultados verificados em atividades físicas prolongadas. Tanto na medição da massa muscular, quanto na avaliação dos RM, o grupo que ingeriu glutamina não teve ganhos diferentes do outro, que consumiu placebo – composto inócuo usado em pesquisas para verificar efeito psicológico dos medicamentos. "Algumas pesquisas já mostraram as propriedades da glutamina na recuperação da capacidade dos músculos. O que ainda não foi possível mensurar é a quantidade ideal de sua administração para que ela exerça seus efeitos, de forma a alcançar maiores benefícios possíveis. Nos testes realizados aqui na UnB, não conseguimos, a princípio, identificar ação ergonogênica relevante da substância sobre os músculos", esclarece.
Um fato verificado durante a pesquisa foi a menor incidência de infecções respiratórias, como gripe, entre os usuários da glutamina. No entanto, isso era esperado, já que a glutamina é usada em medicina para ativar a formação de anticorpos nas células do sistema imunológico. Segundo a professora, alguns dos efeitos colaterais normalmente associados à ingestão de creatina – náusea, diarréia, desconforto estomacal, tontura – apareceram durante os testes, embora em níveis suportáveis que não chegaram a interferir no experimento.
Keila alerta que o uso indiscriminado desses suplementos não é recomendável. Segundo ela, essas substâncias, como o próprio nome diz, devem complementar as fontes naturais, sejam orgânicas ou alimentares. "As dosagens desses suplementos devem ser individualizadas, calculadas sobre o peso corporal. Entretanto, nas embalagens a prescrição é a mesma para qualquer pessoa", adverte. Além disso, o uso prolongado da creatina pode levar o organismo a inibir sua produção, daí porque sua ingestão deve ser intercalada com períodos iguais de abstinência. "O principal é que o atleta seja acompanhado de profissionais de nutrição para monitorar as funções do organismo", esclarece.
Outro alerta da pesquisadora é quanto à qualidade dos suplementos à venda. "Casos recentes de desportistas flagrados usando esteróides anabolizantes (hormônios), e que afirmavam consumir somente suplementos, colocam em cheque a composição desses produtos", revela Keila. Ela explica que alguns fabricantes inserem anabolizantes na composição dos suplementos - o que promove um acentuado ganho de massa muscular - para conquistar consumidores.