Mariana Tokarnia
Repórter da Agência Brasil
Brasília - "Quem pegou mais de um artigo aí?", pergunta o rapper Diey Pitalurgh a um grupo de adolescentes da Unidade de Internação de Planaltina (UIP), no Distrito Federal. A pergunta é respondida com risos. Todos ali cometeram pelo menos um ato infracional e cumprem medida socioeducativa. O bate-papo com o rapper, do grupo 3 um Só, faz parte do Festival Elemento em Movimento, que além de oficinas e palestras com os internos, promove shows e atrações esportivas abertos ao público neste final de semana.
"O que eu quero trazer para esses jovens é o resgate da autoestima", diz o rapper Diey Pitalurgh. "Eu não confirmo a estatística, tenho 28 anos e sou de um bairro que tem fama de criminalidade há 15 anos. Sempre tive contato com a violência, com o tráfico e eu não fui por esse caminho". Ao mesmo tempo, o rapper diz se sentir próximo a esses adolescentes. "A mesma revolta que eles tiveram, eu também tive. As histórias são diferentes e são parecidas. As mesmas dificuldades para chegar em vários lugares, eu também tive".
Cerca de 80 dos 90 internos da UIP participaram da programação de sexta-feira (20). "A intenção é levar a cultura para esses jovens, coisa que eles não veem todos os dias", diz um dos organizadores, Yan Killian, da Central Única das Favelas do Distrito Federal (Cufa-DF). É a primeira vez que o grupo visita a unidade de Planaltina. "A gente percebe que eles querem participar".
Mário*, de 17 anos, está na unidade há nove meses. Antes disso, passou seis vezes pela internação provisória (45 dias). Os crimes são: tráfico, roubo e tentativa de latrocínio - roubo seguido de morte. "Diey deu muitas ideias positivas para a gente. Para pensar no que estamos fazendo aqui hoje, no que vamos fazer quando sair. Só ideia positiva. Ele sabe o que nós passamos", disse.
O adolescente largou a escola com 12 anos. "Comecei a matar aula e gostei". Dentro da unidade de internação voltou a estudar, está no ensino médio. O plano para quando sair ainda é incerto, mas Mário diz que pretende se empenhar ainda durante a internação. Ele está em um dos melhores módulos da unidade, reservado aos internos que se destacam por bom comportamento.
Na UIP, os jovens desempenham várias atividades. Além de frequentar aulas na escola básica, eles aprendem, em cursos profissionalizantes, informática, confeitaria, horticultura, teatro e a fazer cartazes. O tempo que passarão na unidade refere-se mais a como respondem à medida socioeducativa e apresentam bom comportamento do que ao número de artigos que "pegaram".
João*, de 20 anos, está contando os dias para deixar o local. Sairá na segunda-feira (23), depois de passar quase três anos (tempo máximo) na unidade. "Aprendi que o crime não compensa, me tirou muito tempo da minha liberdade e da convivência com a minha filha". E foi a filha, de quem só soube quando estava internado, que motivou o jovem a não querer mais cometer crimes. Ele começou a roubar quando tinha 10 anos. Aos 17 foi apreendido. "Rodei", diz. "Vou procurar emprego, não vai ser fácil, mas vou tentar como todo cidadão tenta".
Já Vinícius*, de 20 anos, tem a previsão de sair em 30 dias. Ele vai conciliar o trabalho com o padrasto - que já lhe garantiu emprego - com os estudos. "Meu foco é estudar e recuperar o tempo que perdi". Assim como Mário, ele largou a escola cedo, com 11 anos. Começou roubando, depois entrou para o tráfico. Aos 14 matou pela primeira vez. Até os 16 foram quatro homicídios. "Hoje estou com a cabeça melhor, consigo pensar melhor na minha vida e nas minhas escolhas. Isso não é o que Deus quer para mim". Vinícius se diz evangélico, "mas não sigo muito não".
Caso João e Vinícius voltem a cometer crimes não serão mais considerados menores infratores e irão para penitenciárias comuns.
O evento é feito pelo Grupo Caixa Seguros em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) e a Cufa-DF. Os shows, abertos ao público, ocorrem hoje (21) e amanhã em Ceilândia (DF). A programação completa pode ser conferida na página do Facebook: http://www.facebook.com/jovemdeexpressao
*Os nomes são fictícios.
Edição: Fábio Massalli
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