Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – O promotor Eduardo Olavo Canto Neto, durante a sua réplica de duas horas, destacou que “o julgamento do Massacre do Carandiru é um marco civilizatório”. Foi o principal argumento para tentar convencer os jurados a fim de que condenem os 25 policiais acusados pela morte de 52 detentos que ocupavam o terceiro pavimento do Pavilhão 9, da Casa de Detenção Carandiru. Para o promotor, os jurados “são agentes de mudança social” e devem condenar os réus para contribuir para uma mudança de mentalidade do país.
“Precisamos mudar essa mentalidade. Não queremos o país do jeito que ele é, de autoridade que vem de cima para baixo, de corrupção dominando tudo e de polícia reprimindo e, às vezes, matando desnecessariamente”, disse. “A condenação dos réus vai retirar uma mancha da Polícia Militar de São Paulo. Vai reabilitá-la perante toda a sociedade”, acrescentou. No debate, pela manhã, o promotor pedira a absolvição dos réus pela morte de 21 dos 73 detentos, cujos corpos estavam no lado direito do terceiro pavimento. “Havia mortos nas celas [do lado direito]. Mas, na nossa avaliação, não foram eles [os réus]. Pedimos a absolvição por essas 21 mortes por questão de justiça”, disse. No entanto, o pedido de absolvição dos réus por essas 21 mortes será avaliado pelos sete jurados.
Canto Neto disse ainda, na réplica, que a Polícia Militar é um órgão necessário, mas que os desvios devem ser condenados. “Não se pode confundir os papéis das instituições com as condutas dos seus membros”, ressaltou, citando que desvios de condutas existem em diversas instituições, inclusive no Ministério Público, do qual faz parte.
Segundo ele, os réus continuaram cometendo crimes após o Massacre no Carandiru, citando números de ocorrências de resistência seguida de morte envolvendo os 25 policias acusados, considerando-se até o ano 2000. De acordo com o promotor, os policiais acusados, com exceção de um deles, respondem por mais de 300 mortes em ocorrência de resistência seguida de morte, embora apenas dois deles tenham sido condenados por esses crimes. Somente um dos policiais foi investigado por 33 mortes em ocorrências dessa natureza, disse.
Segundo o promotor, os policiais deveriam ter entrado no Carandiru para conter a rebelião, mas houve excessos na ação ocorrida no dia 2 de outubro de 1992. “Uma coisa é cumprir o dever legal. Outra é entrar na Casa de Detenção e provocar uma chacina. Eles tinham que entrar lá, mas não daquele jeito”, declarou. “Eu não sei como conseguem dormir. É repugnante”, completou Canto Neto, apontando para os réus.
O promotor disse ainda que não foi possível individualizar as condutas dos policiais, indicando qual deles matou qual detento, mas que o Ministério Público pede a condenação deles de forma coletiva porque todos contribuíram para as mortes ocorridas naquele pavimento. “Todos os policiais dispararam. E atiraram de maneira excessiva e desnecessária”, acrescentou. Segundo ele, também foi difícil individualizar as condutas porque a cena do crime foi alterada pelos policiais.
Canto Neto também contestou o argumento da defesa de que os policiais agiram em legítima defesa, dizendo que todos entraram no Carandiru armados com revólveres e metralhadoras, enquanto foram apreendidas 13 armas de fogo com os detentos. O promotor contestou o número e disse ter dúvida se havia mesmo 13 armas de fogo no Pavilhão 9, já que a entrada de armas de fogo em presídios brasileiros, embora seja possível, é muito difícil. “Arma de fogo [no presídio] é muito raro”, disse. “Havia 85 tiros nas paredes das celas e 243 tiros nas vítimas. O que justifica isso?”. O promotor declarou ainda que o Massacre do Carandiru contribuiu para que o Primeiro Comando da Capital (PCC – organização criminosa que atua a partir dos presídios) fosse criado.
Cantou Neto destacou ainda, em sua réplica, que a pena de morte não está instituída no país e que os policiais não poderiam entrar no pavilhão atirando e matando os presos, que já os detentos estavam cumprindo pena. “Este é um júri ideológico. As provas são claras de que policiais fizeram um massacre e que depois alteraram a cena do crime”, disse. “Mas 1992 [ano em que o massacre ocorreu] manchou a imagem da polícia de São Paulo no mundo todo. Foi um ato de violência jamais visto em nosso país”
Neste momento, a advogada de defesa dos policiais, Ieda Ribeiro de Souza, começa a apresentar a sua tréplica.
Edição: Aécio Amado
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