Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Passados 125 anos da lei que libertou africanos e seus descendentes da escravidão no Brasil, o cineasta negro Joel Zito Araújo avalia que, na mídia, há “desequilíbrio” na apresentação de temas relacionados à questão racial, como ações afirmativas, entre elas as cotas, e políticas destinadas a comunidades quilombolas.
O cineasta propõe uma reflexão sobre o tema ao trazê-lo ao debate em seu mais novo filme, Raça, uma parceria com a documentarista americana premiada com o Oscar, Megan Mylan. O lançamento, marcado para a próxima sexta-feira (17), ocorre 25 anos depois que a temática foi levada às telas pelo cineasta e ator negro Zózimo Bulbul com o documentário Abolição, sobre a situação da população negra brasileira.
Araújo é categórico ao afirmar que seu documentário tem o objetivo de apresentar ao público uma “versão dos fatos” e argumentos ignorados pela imprensa nos últimos anos.
“As mídias tradicionais foram injustas no debate racial. Sempre privilegiaram aqueles que eram a favor de sua posição editorial, ou seja, contra cotas, contra terra para quilombos, e ignora coisas graves que aconteceram e acontecem, como a exterminação de jovens negros na periferia”, diz ele, que também é especialista com pós-doutorado em comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e foi professor visitante na Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
A percepção de Araújo tem fundamento teórico. O Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenado pelo professor João Feres Júnior, constatou que, entre 2001 e 2009, 96% dos editoriais de jornais e revistas no Rio e em São Paulo foram contrários a ações afirmativas raciais. Reportagens e artigos de opinião se posicionaram de maneira parcial em relação às cotas, de acordo com a pesquisa.
Diante desse cenário, o cineasta acredita que o público de classe média, que vai ao cinema, não conheceu o “outro lado”, em favor dos negros. Por isso, reuniu em seu filme os temas que polarizaram a mídia: a discussão sobre o Estatuto da Igualdade Racial, no Congresso Nacional, o julgamento da constitucionalidade das cotas raciais, no Supremo Tribunal Federal (STF), e a regularização de terras quilombolas. “O filme é uma espécie de justiça histórica em função do desequilíbrio do debate”, declara.
Ele avalia que o próprio cinema peca na forma como retrata o racismo, e a mídia brasileira precisa rever sua abordagem. “O cinema brasileiro tem muitos filmes sobre cultura negra, sobre o carnaval, sobre o candomblé, sobre isso e sobre aquilo, mas evitar falar do racismo é [ser] cúmplice da ideologia do branqueamento”. Para ele, de modo geral, “ a mídia tem uma profunda dificuldade de encarar que somos um país diverso, cuja metade da população é negra”.
Para produzir Raça, o cineasta acompanhou, de 2005 a 2009, o senador Paulo Paim (PT-RS), a ativista quilombola Miúda e o empresário e cantor Netinho de Paula – vereador paulista que criou a primeira emissora de TV feita por negros.
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Edição: Lana Cristina e Juliana Andrade
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