Camila Maciel
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - Um campo de batalha. Foi assim que funcionários do Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental (Caism) Philippe Pinel, ouvidos pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, definiram a situação em que se encontra a unidade depois que eles passaram a receber dependentes químicos. O centro, que funcionava para atender específicamente pessoas em surto psicótico, passou a atender, desde janeiro, pacientes encaminhados pelo Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod).
"Ocorreu o desmonte de um serviço de excelência no tratamento de psicóticos agudos para que dependentes químicos fossem tratados de forma inadequada", disse o promotor Arthur Pinto Filho, da área de Saúde Pública. Essa situação é objeto de uma ação, protocolada hoje (11) pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que pretende impedir que os leitos psiquiátricos do Philippe Pinel sejam usados para o tratamento de dependentes químicos. Caso descumpra a medida, o governo paulista poderá ser multado em R$ 100 mil por dia.
O procedimento de disponibilizar os leitos do Caism para o tratamento de dependentes químicos foi adotado depois do anúncio do projeto do governo estadual que visa a agilizar a internação de dependentes químicos. Com apenas três dias do início da ação no Cratod, a procura pelo atendimento na unidade mais que dobrou, o que levou o estado paulista a ampliar o número de leitos exclusivos para usuários de drogas. Na época, a Secretaria de Estado da Saúde anunciou que o número de leitos disponíveis passaria de 691 para 757.
"O que está sendo feito pelo governo do estado demonstra a inexistência dos 700 leitos. Esses leitos não estão vazios. Não há vagas. Aquele afluxo ao Cratod gerou uma situação de pânico. Diante dessa situação, houve a opção pelo pior dos rumos, que foi derrubar aquilo que funcionava para criar aquilo que não funciona", criticou o promotor. Ele destacou que os funcionários foram surpreendidos pela medida em janeiro, tendo em vista que não têm especialização para lidar com esse tipo de atendimento.
A promotora da área de infância e adolescência, Luciana Bergamo, ouviu depoimentos de funcionários que relataram casos de violência, inclusive física, na unidade. "De início, os pacientes dependentes químicos passaram a conviver com pacientes psicóticos, que têm manias, um comportamento próprio, e isso incomodou os dependentes. Os grupos entraram em atrito. Em seguida, a equipe também passou a ser agredida".
À medida que os pacientes com transtornos psiquiátricos recebiam alta, somente eram admitidos usuários de droga. E novos problemas surgiram, segundo a investigação do MP-SP. "A equipe do Caism começou a identificar que a maior parte dos dependentes já tinha passagem por estabelecimentos prisionais e começou a transformar o Pinel em uma estrutura semelhante", relatou. Os pacientes da ala masculina, que tem capacidade para 30 pessoas, passaram a se organizar em guetos, inclusive com lideranças.
O consumo de drogas também se tornou frequente entre os homens, tendo em vista que se trata de um centro aberto e os pacientes podem transitar livremente. "Eles tomaram uma ala do hospital e passaram a fazer uso de drogas. Os profissionais não conseguem ter acesso a essa área. Eles não sabiam como intervir. Entraram em completo desespero", disse Bergamo. De acordo com a promotora, a única capacitação recebida pelos funcionários do Caism foi para contenção, o que ocorreu recentemente.
Para os promotores, o tratamento recebido pelos dependentes químicos na unidade é deficitário. "Eles foram simplesmente depositados, porque não era essa a especialidade do hospital. Essas pessoas foram levadas para lá para preencher uma estatística”, relatou o promotor Maurício Ribeiro Lopes, da área de habitação e urbanismo, que também participou das investigações.
Segundo ele, um adolescente contou que estava no hospital simplesmente para receber um banho, passar 30 dias e voltar para a rua na mesma condição. “Tudo que era possível oferecer a adultos e adolescentes era abstinência e televisão, sendo que abstinência mais ou menos, porque entrava droga", disse.
Sobre os pacientes com surto psicótico que deveriam estar sendo atendidos no Caism, os promotores informaram que pelo menos parte deles está sendo levada para o Pronto-Socorro da Barra Funda. O promotor informou que um inquérito específico sobre essa questão deve ser aberto.
O ministério público também vai apurar se outras unidades de saúde de São Paulo também estão passando pelo mesmo problema. "Nós temos equipes técnicas que já estão fazendo visitas a outros locais para onde supostamente estão sendo encaminhados os dependentes químicos oriundos do Cratod. Nós temos até dificuldade de obter esse tipo de informação, porque algumas fichas que nos foram enviadas de lá estão escritas a lápis, às vezes de forma ilegível", informou Bergamo.
Na Baixada Santista, casos de reservas de vagas para dependentes químicos em leitos psiquiátricos também foram relatados pela promotora de Justiça de Itanhaém, Érika Pucci. "Instaurei um procedimento administrativo para conseguir vaga para um paciente em estado grave, mas mesmo assim a vaga não foi cedida. Recebemos denúncias do bloqueio de vagas. Instaurei um inquérito civil para apurar se essa questão estava acontecendo e se o critério de classificação de urgência estaria sendo violado", apontou.
A Secretaria de Saúde de São Paulo negou que a internação de dependentes químicos esteja prejudicando o atendimento a pacientes psicóticos.
Edição: Tereza Barbosa
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