Camila Maciel
Repórter da Agência
São Paulo - “Nada é defeito, nem qualidade. Tudo é humano e bem diferente. Assim, assado, todos são gente. Cada um na sua e não faz mal. Diversidade é o que é legal”. O trecho do rap produzido por alunos do ensino médio de uma escola estadual de São Paulo é exemplo de como o discurso da tolerância tem chegado de forma diferente a 27 escolas paulistanas. Os 430 alunos que participaram da segunda edição do Projeto Diálogo com o Teatro apresentaram hoje (5), no bairro do Capão Redondo, o resultado das atividades sobre cultura de paz feitas pelo Instituto Sou da Paz.
“Mudar a violência que está lá fora pode começar aqui dentro. Todo mundo passa pela escola, e o aprendizado daqui a gente leva pra sempre”, disse o aluno do 3º ano Reifra Araújo, 17 anos. Ele apresentou a peça Diversidade É que É legal junto com os colegas da Escola Estadual República do Panamá, no Jardim São Luís, também da zona sul da cidade.
O projeto, que começou em escolas das regiões central, norte e oeste, chegou a áreas de alto índice de violência. “Historicamente, essa região [a zona sul] continua sendo a que mais morre gente”, destacou Cainan Baladez, coordenador do projeto Diálogo com o Teatro. Esta edição reúne comunidades de Paraisópolis, Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luiz. As apresentações ocorrem no Centro Educacional Unificado (CEU) do Capão Redondo.
O Instituto Sou da Paz, que encabeça a iniciativa em parceria com a Secretaria de Estado da Educação, acredita que a escola é espaço privilegiado para tratar o tema da violência. “A escola é um dos primeiros grandes espaços de convivência. É onde existe o conflito, mas ele deve ser encarado como algo natural, esperado. Temos a oportunidade de discutir como solucionar estas questões de forma dialogada, pacífica”, defendeu Ricardo Melo, coordenador da área de prevenção do instituto.
Os estudantes foram orientados por 48 professores-mediadores que participaram de 12 encontros de formação com a coordenação do projeto. No retorno às escolas, eles apresentaram a proposta aos alunos de discutir e formatar uma cena sobre o tema da cultura de paz. “Para falar de paz, eles acabam utilizando os exemplos cotidianos de violência”, explica a professora Silvana Kruz Braga, que coordenou os trabalhos na escola República do Panamá.
Xingamentos, brigas nos intervalos, intrigas, desrespeito entre colegas e professores e uso do celular foram alguns dos assuntos abordados pelos estudantes nos espetáculos. A turma da Andressa Karoline Souza, 17 anos, escolheu um tema que afeta especialmente as novas gerações: o cyberbullying [prática que envolve o uso da internet para agredir ou agir de forma hostil com colegas]. “A gente viveu essa situação na nossa escola e quis mostrar isso na peça. É uma forma de retomar a história e explicar direitinho como tudo aconteceu”, explicou Andressa.
Tiffany é a personagem principal do espetáculo O que todos veem, alguns enxergam. “Ela passa por uma situação difícil, porque um vídeo da intimidade dela foi parar na internet”, conta a estudante. Na peça, Andressa repassa o vídeo para toda a escola e críticas à atitude da colega. “Ninguém fez questão de saber a verdade dela. Na vida real, a menina precisou sair da escola. Não teve violência física, mas foi até mais grave”, avalia.
Cainan Baladez, o coordenador do projeto, ressalta que o trabalho feito nas escolas não deve ser o único instrumento para construção de uma cultura de paz. “A escola é reflexo [da violência] na sociedade, mas também é produtora. Ela deve ser vista como prioritária para quebrar esse ciclo de violência, mas, na sua forma atual, ainda não consegue fazer isso”, avalia.
A professora Márcia Rodrigues, da Escola Estadual Waldir Rodolpho de Castro, no Capão Redondo, ficou surpresa com o nível de aprofundamento sobre o tema que os alunos alcançaram. “Trabalhar o tema com teatro facilitou bastante. No discurso, as coisas não apareciam. Quando a gente vai para cena, aparece muito mais conteúdo do que só na fala”, relatou. Ela conta que, apesar de terem selecionado o tema do bullying para a encenação, outros temas fizeram parte do debate, como homofobia e autoritarismo de professores.
O coordenador do projeto avalia que a principal conquista da iniciativa é romper com a lógica de encontrar os culpados para o problema da violência na escola. “Havia uma leitura reducionista da violência escolar. A preocupação era procurar e punir o culpado. Normalmente, a família era a mais apontada. A gente faz o trabalho de transformar para uma visão mais sistêmica, identificando as várias causas. É preciso atuar com esse olhar. O que explode como violência nasce em outro lugar, normalmente não é no ato em si”, defendeu.
Edição Beto Coura