Amarílis Lage
Repórter do Valor Econômico
São Paulo - Liberdade, Liberdade, peça de Millôr Fernandes e Flávio Rangel montada em 1965 e censurada no ano seguinte pelo regime militar, abre o ciclo de leituras dramáticas no Sesc Consolação deste ano, em São Paulo. É uma homenagem a Millôr, que morreu em março.
O projeto 7 Leituras, 7 Autores, 7 Diretores contará ainda com a leitura de textos de George Bernard Shaw, Bertolt Brecht, Tom Stoppard, Félix Lope de Vega, Michael Frayn e David Gow, com uma apresentação a cada mês. As peças foram selecionadas a partir do tema desta edição: a utopia.
“A utopia não é uma moda, ela não passa. Ela é o desejo do homem de felicidade, de ter e dar afeto”, diz a coordenadora-geral do ciclo, Eugênia Thereza de Andrade, de 72 anos, que dirige Liberdade, Liberdade, espetáculo ao qual assistiu cinco vezes na década de 1960. “Na época, eu era casada com um perseguido político, e a principal lembrança que tenho é da emoção da plateia. Nas cinco vezes em que vi, havia pessoas chorando perto de mim”, lembra Eugênia.
Em sua montagem original, a peça de Rangel (1934-1988) e Millôr tinha produção do Grupo Opinião e do Teatro de Arena e trazia no elenco Paulo Autran, Oduvaldo Vianna Filho, Nara Leão e Tereza Rachel. A obra mostra a busca por liberdade em diversos momentos históricos, do julgamento de Sócrates na antiguidade ao período nazista, por meio de uma colagem de textos de Shakespeare, Bertolt Brecht, Benito Mussolini, Cecília Meireles e Dorival Caymmi, entre outros.
É um conteúdo que permanece atual, diz Eugênia. “Agora, a ditadura passou, a gente tem democracia, tem liberdade, mas a corrupção parece nos dizer que não é possível ter uma sociedade mais justa.” Os textos são intercalados com 30 músicas, que na leitura dramática serão interpretadas pela cantora Ná Ozetti e pelo pianista Paulo Braga.
Mais duas peças que serão apresentadas nesta edição do ciclo são inéditas no país. Botas de Aço, de David Gow, será apresentada no dia 31 de julho, e Democracia, de Michael Frayn, é prevista para 25 de setembro.
Gow, canadense de 47 anos, conta a história de um advogado judeu que é designado para a defesa de um skinhead. Já o dramaturgo inglês Frayn, de 78 anos, escreve sobre acontecimentos reais. Democracia retrata Willy Brandt (1913-1992), chanceler da República Federal da Alemanha que pediu demissão do cargo depois de um escândalo envolvendo um de seus assessores mais próximos, Günter Guillaume (1927-1995), que era um espião da antiga Alemanha Oriental.
De Bernard Shaw (1856-1950), será apresentada a peça Santa Joana no dia 26 de junho. De Bertolt Brecht (1898-1956), Comuna, em 28 de agosto. Já a leitura de O Caminho da Utopia – Parte Um, de Tom Stoppard, de 74 anos, ocorre em 30 de outubro. O ciclo no Sesc termina em 27 de novembro, com a peça Fuente de Ovejuna, de Félix Lope de Vega (1562-1635), dirigida por Mika Lins.
As leituras dramáticas são realizadas com marcação de cenas, elementos cenográficos e de figurino, desenho de luz e música. “Acho leitura uma coisa chata, por isso bolei um projeto assim”, brinca Eugênia. “[Esses elementos] criam uma dinâmica. É como se a plateia assistisse a um ensaio avançado de uma peça”, compara a diretora.